domingo, 20 de febrero de 2011

EXTRAS

Tudo começou com uma ligação.

- Daniel?

- Depende.

- Tenho um bar e estou precisando de alguém para trabalhar amanhã. Pode ser você?

- Tudo bem. Mas eu preciso de um trabalho fixo. Não dá pra ficar trabalhando como extra só nos finais de semana.

- Aparece amanhã que a gente conversa.

Ele me passou o endereço e horário. Desliguei. Já tinha decidido que não iria mais fazer esse tipo de serviço. É degradante demais, mas depois do último emprego não havia me sobrado nada de grana. E preciso de cervejas e cigarros, assim como a maioria das pessoas, das que bebem e fumam, pelo menos.

Dia seguinte lá estava eu na porta do lugarr fumando um cigarro e me perguntando constantemente “que merda eu estou fazendo aqui?”. Uma pessoa com o meu intelecto e potêncial deveria estar apenas nos mais altos cargos, como capitão de navio baleeiro japonês ou dono de uma plantação de papoulas nas montanhas. Mas não. O destino já havia reservado algo pior. Ok, decido entrar.

Conversei pessoalmente com o babaca do telefone e fui logo jantar.

Pô, nada mal. Almôndegas! Sempre gostei delas e tenho certeza que elas também gostam de mim. Sempre apreciei uma boa refeição e esse foi um dos motivos pelos quais saí do meu último emprego. Os filhos da puta começaram a diminuir a comida e depois tiveram as manhas de diminuir os pratos, o que foi demais pra mim. Isso e a mulher que eu estava ter me trocado por outra mulher. Isso foi novidade na minha vida, e acreditem, não é melhor ou mais fácil ser trocado por outra.

Conheci os caras que eu iria trabalhar no bar e logo de cara fui com a cara de um deles, o outro era só mais um cuzão igual a outros cem mil cuzões que nada de interessante tem a dizer. Poderia ser pior. Os dois poderiam ser cuzões, mas eu sempre penso o contrário. Por que os dois não poderiam ser gente fina? Mas não é assim que o universo funciona. Provavelmente por causa daquela baboseira oriental. O mundo perfeito (já havia percebido isso) se restringe ao mundo dos bem de vida. Eles podem construir um mundo perfeito e bonito ao redor deles e excluir todo o resto. Os filhos da puta! O mundo sempre parece mais bonito dentro de um conversível.

Seis horas em ponto e eu começo a trabalhar. O começo é devagar e tranquilo, me dizem que três bandas irão tocar na noite e dizem que eu vou gostar delas. Também me dizem que o lugar fecha às cinco da manhã e que eu “provavelmente” sairia antes.

Mais gente entra e a primeira banda começa a tocar. Credo!, pura merda atrás de merda, o público parece concordar comigo.

Foi aí que entre um drink e outro começo a perceber o público. Meu deus!, é o paraíso das gostosas. Mulheres maravilhosas por todos os lados. Fico me perguntando se teria alguma chance com elas...

Simplesmente depois de um tempo não dá tempo para apreciação.

- Cinco cervejas. Dez cervejas. Vinte...

E por aí vai.

A segunda banda era bem melhor e o lugar começou a ficar realmente cheio. Começo a ficar preocupado.

- Isso aqui ainda tá tranquilo, tem que ver nos dias de pauleira - diz o cara gente fina.

- Não quero ver - respondo. Talvez o cara nem fosse tão gente fina assim.

O cuzão só dá risadas.

Quanto mais eu olho, mais vejo mulheres fenomenais cercadas por caras imbecis com cara de idiotas. Esses malditos nunca tiveram que levantar uma caixa, se sujar de graxa ou gordura, cortar 100 limões por noite. Todos eles eram brancos, limpos, bem alimentados e barbeados. Percebi que eu não era o bio tipo de homem que frequentava aquele lugar. Que se foda!, aquele não era o tipo de lugar que eu frequento, se bem que todas as mulheres bonitas da cidade parecem que estão lá.

Tento não olhar para o relógio o máximo possível e me concentrar no trabalho para não ficar desapontado, mas acabo olhando e fico realmente desapontado. Não é nem meia-noite ainda. Eu realmente preciso de um cigarro e decido que eu mereço um. Saio por conta própria.

Do lado de fora acendo um cigarro atrás do outro e fico apreciando as mulheres. Como são lindas e fúteis, uma péssima combinação, uma vez que sou feio e tento ser o contrário de fútil. Eu nunca irei ganhar nehuma delas desse jeito.

A terceira banda entra e eu fico com a sensação de que não vou aguentar até o fim da noite.

Continuo trabalhando do melhor jeito possível, só que daí eu olho pro lado. Quase tenho um ataque cardíaco fulminante do miocárdio quando no balcão eu vejo a mulher perfeita. Consegui achar a mais linda num oceano de mulheres lindas. A sorte grande. O rosto me lembrava alguém que eu já tinha conhecido há muito tempo atrás. Corpo escultural, mega peitos e bunda, quase da minha altura. Ela ficou boa parte da noite do lado do meu balcão conversando com uma amiga e eu não conseguia tirar os olhos dela. Penso em falar com ela, mas eu sabia que não teria chances e acabaria fazendo papel de idiota (coisa que eu nunca me importei), mas ela era diferente. Ela estava acima de todos os mortais.

Aparece um idiota e começa a conversar com ela. Penso em pular o balcão e dar uma garrafada na cabeça do sacana, mas achei que ela iria fazer algo parecido, pelo menos a princípio, mas depois começam a dar risada. Agora fodeu. Vejo uma aliança na mão esquerda dela, mas isso nunca impediu ninguém de trair. Do que será que eles conversam? Viagens ao exterior? Feriado em búzios? Nunca vou saber. Eu nunca saberia como abordar uma mulher daquele calibre, não sem antes beber horrores. Ficam conversando por muito tempo e ainda vejo esperança. Mas meu navio afunda quando eles se beijam. Isso não deveria me afetar em nada, afinal aquelas pessoas não me dizem nada, mas fico com um nó na garganta. Deixo tudo pra trás e vou fumar mais um cigarro. Já vi isso acontecer por tempo demais comigo. As mulheres, mesmo aquelas que eu nem conheço, exercem uma estranha fissura em mim, me afetam demais, e isso nunca é bom. Poderia ser pior, quando da vez em que trabalhei por duas noites num lugar cheio de caras gordos, peludos e bichas (ursos) se beijando e se esfregando sem camiseta na minha frente (e não havia ninguém que chegasse neles e falasse: “Cara, isso o que vocês estão fazendo é errado!”). Ou da vez em que trabalhei num restaurante onde no fundo havia um daqueles espelhos que de dentro não se via nada, mas de fora se via tudo, e eu ficava lá fora batendo punheta vendo as gostosas dançarem do lado de dentro. Era a punheta perfeita, até me descobrirem...

Resolvi voltar, não olhar para o lado e me concentrar no trabalho. Aquelas gostosas não faziam idéia do dano psicológico que estavam me causando.

Não acredito quando às quatro e vinte me mandam pra casa. Fico tão feliz que toda a raiva e ódio dentro de mim simplesmente desaparecem. Mas não por muito tempo.

Ganho a rua e vejo que só tem uma pessoa sem carro ou grana pra táxi. Acho melhor andar um pouco. Andar é sempre bom pra manter a saúde mental. Principalmente depois de uma noite daquelas.

Ando, me perco, ando mais um pouco, me acho e continuo andando. Vejo um mega acidente e penso que tem pessoas tendo uma noite pior do que a minha. Tudo bem, tudo bem...

Depois de alguns quilometros acho a avenida que estava procurando e pego um ônibus até em casa. O gosto de merda na minha boca me acompannha o caminho inteiro, tudo por causa das gostosas que nem sabem que eu existo. No ônibus as pessoas são menos saudáveis e bonitas, mais parecidas comigo e sinto uma certa empatia por todas elas. Assim como eu, elas se dirigem para a parte menos bonita e elegante da cidade, indo ou voltando do trabalho. Somos todos incrivelmente mais fortes e corajosos que aqueles babacas que eu passei a noite servindo. Somos de outra estirpe, a estirpe dos sofredores. Sofremos com o trabalho, com nossas casas, com nossa falta de sorte na vida e nossa falta de sorte com as mulheres, e isso me faz sentir como sendo muito melhor do que todos eles, e no dia em que eu convencer suas mulheres disso, aí sim eu me sentirei um verdadeiro vencedor.