sábado, 11 de febrero de 2012

A MORTE PREFERE COCA-COLA

- Isso me parece sério – diz meu amigo André ao meu lado.

- Tá doendo? – pergunta meu outro amigo, Ibraim
- Tá sim – responde André.
- Então é melhor ir ao hospital – sugiro por final.
Minha mãe uma vez disse que pronto-socorro de hospital estadual é tudo a mesma coisa, e concordo com ela. Muito desarrumado, muito sujo (especialmente em tons de vermelho sangue) e muita gente amontoada e gemendo.
Chegamos ao hospital São Paulo e fomos pegar nossa senha. Sentamos.
Dou uma bela olhada nas pessoas do saguão e vejo seus rostos fechados, alguns retorcidos e a falta de esperança pairando em volta deles. Noto também um vulto alto e negro que se destacava do resto das pessoas por carregar uma foice grande e reluzente. Ninguém parece notar sua presença. O vulto encara uma velha sentada na mesma fileira que nós, a velha olha de volta e balbucia algumas palavras, ela a toca no rosto com seus dedos ossudos, a velha dá um suspiro de alívio e morre.
Um homem ao lado grita: Meu deus! Ela morreu!
Enquanto os médicos chegam pra examinar a velha, uma comoção toma conta das pessoas no lugar e elas começam a falar alto e num tom assustado de como aquilo tudo era horrível e de como a morte era ruim. Eu por outro lado acho que a morte não é ruim, tudo o que vem antes dela sim; e se tem alguma coisa totalmente neutra nesse mundo é a morte. Ela simplesmente chega, faz o que tem que fazer e vai embora, tudo muito simples, rápido e fácil, sem sentir nada por isso. E foi exatamente o que ela fez ali.
Depois de um tempo quando a comoção das pessoas passou começaram as piadinhas infames para com o sofrimento das outras pessoas. Passamos a dar nota ao estado delas. Quando maior a nota, pior o estado.
Muitos carros chegam ao hospital (nos carros chegam os piores pacientes) e isso era péssimo, porque quem chegava de carro já era encaminhado direto pra um médico. Um carro bonito, novo e elegante chega e esperamos pra ver quem desce dele. Era um velho que julgamos ser o próprio Tutankamon, e só não parecia morto porque gritava bastante de dor. Pra esse nós demos nota 10, o que foi a única unanimidade da noite. “Acho que vão mumifica-lo agora”, alguém acaba dizendo.
As notas continuam: “esse merece um 5”, “ela nota 7”. “Se liga! Ela tá melhor que a gente”. E assim as horas foram passando.
Tutankamon volta. Mas agora grita menos e parece um pouco mais vivo, e para uma múmia isso é um fato a ser comemorado. Entra no carro, ou tenta, pois ele não se curva o suficiente e bate a cabeça várias vezes no teto. Vendo a oportunidade digo: “É, rigor mortis não é fácil”. Meus amigos riem.
De repente algo me chama a atenção. Era a morte voltando. Ela balança a cabeça e vem na minha direção. Congelo na hora. Um suor frio começa a descer pelas minhas costas. Ela dá um passo à frente e eu dou um passo pra trás. Ela dá mais um passo à frente e minhas costas encostam na parede. Fico imóvel. Ela me dá uma bela encarada, do mesmo modo que a noite te encara em noite de lua cheia, só que naquela noite não tinha lua alguma. Ficou assim durante algum tempo e percebo, que na verdade, ela estava sorrindo pra mim. Sorrio de volta, pois sabia que aquela não seria a minha vez. Alguma coisa parece ter chamado sua atenção em outra sala e a vejo se afastar apressada em direção à UTI. Demoro um tempo pra me recompor. Digo pros meus amigos que foi só um mal- estar e que um pouco de ar me deixaria melhor. Essa passou perto.
Do lado de fora fico me perguntando pra quê se dar ao trabalho de ir ao hospital se vamos todos morrer de qualquer jeito.
Umas crianças de rua que estavam por ali passam por nós e sorriem pra gente. Nós sorrimos de volta. Elas, assim como nós três, eram as únicas pessoas se divertindo naquele lugar.
Chamam o nome do meu amigo. Era a nossa vez. Eu fui junto com ele, o Ibraim decidiu que era melhor ficar lá esperando.
O médico não parecia muito mais velho que a gente.
Algumas pessoas estavam na mesma sala que nós. Um cara urinava por um tubo, uma velha que parecia ser a mãe das crianças lá fora estava muito abatida e anunciou:
- Acho que vou vomitar.
- Se ela for vomitar – eu disse – acho que vomito também.
- Vamos lá Dona, nada de vomitar aqui.
Ela não vomitou e eu fiquei aliviado. Os médicos também.
Meu amigo ficou com vergonha da consulta dele. Tanta gente lá morrendo e ele de pé sorrindo. Com um calombo no peito.
Quando a consulta acabou saímos da sala em direção à recepção. No caminho vejo sangue – muito sangue – saindo do corpo de uma garota que estava sendo levada às pressas pra cirurgia. A morte vinha apressada atrás dela. Quando ela passou por mim fiz um gesto de despedida respeitoso e silencioso em sua direção. Não teria como saber se ela viu.
- E aí, como foi? – pergunta o Ibraim.
- Não foi – respondi – ele não tem nada.
- Não vou morrer por isso, o médico só me passou alguns remédios.
- Vamos dar o fora daqui então.
- E rápido.

Os personagens aqui citados são todos reais. Sobretudo a Morte. Mas apesar de não poder vê-la, eu a senti, ainda mais que ao ir embora, um barulho me chamou a atenção. Olhei em volta e vi a máquina de refrigerante se mexer sozinha, Vi também uma coca-cola cair pelo buraco sem ninguém estar por perto – ninguém parece ver ou se importar com aquilo -, então dou um sorriso, pisco e saio correndo dali.

domingo, 20 de febrero de 2011

EXTRAS

Tudo começou com uma ligação.

- Daniel?

- Depende.

- Tenho um bar e estou precisando de alguém para trabalhar amanhã. Pode ser você?

- Tudo bem. Mas eu preciso de um trabalho fixo. Não dá pra ficar trabalhando como extra só nos finais de semana.

- Aparece amanhã que a gente conversa.

Ele me passou o endereço e horário. Desliguei. Já tinha decidido que não iria mais fazer esse tipo de serviço. É degradante demais, mas depois do último emprego não havia me sobrado nada de grana. E preciso de cervejas e cigarros, assim como a maioria das pessoas, das que bebem e fumam, pelo menos.

Dia seguinte lá estava eu na porta do lugarr fumando um cigarro e me perguntando constantemente “que merda eu estou fazendo aqui?”. Uma pessoa com o meu intelecto e potêncial deveria estar apenas nos mais altos cargos, como capitão de navio baleeiro japonês ou dono de uma plantação de papoulas nas montanhas. Mas não. O destino já havia reservado algo pior. Ok, decido entrar.

Conversei pessoalmente com o babaca do telefone e fui logo jantar.

Pô, nada mal. Almôndegas! Sempre gostei delas e tenho certeza que elas também gostam de mim. Sempre apreciei uma boa refeição e esse foi um dos motivos pelos quais saí do meu último emprego. Os filhos da puta começaram a diminuir a comida e depois tiveram as manhas de diminuir os pratos, o que foi demais pra mim. Isso e a mulher que eu estava ter me trocado por outra mulher. Isso foi novidade na minha vida, e acreditem, não é melhor ou mais fácil ser trocado por outra.

Conheci os caras que eu iria trabalhar no bar e logo de cara fui com a cara de um deles, o outro era só mais um cuzão igual a outros cem mil cuzões que nada de interessante tem a dizer. Poderia ser pior. Os dois poderiam ser cuzões, mas eu sempre penso o contrário. Por que os dois não poderiam ser gente fina? Mas não é assim que o universo funciona. Provavelmente por causa daquela baboseira oriental. O mundo perfeito (já havia percebido isso) se restringe ao mundo dos bem de vida. Eles podem construir um mundo perfeito e bonito ao redor deles e excluir todo o resto. Os filhos da puta! O mundo sempre parece mais bonito dentro de um conversível.

Seis horas em ponto e eu começo a trabalhar. O começo é devagar e tranquilo, me dizem que três bandas irão tocar na noite e dizem que eu vou gostar delas. Também me dizem que o lugar fecha às cinco da manhã e que eu “provavelmente” sairia antes.

Mais gente entra e a primeira banda começa a tocar. Credo!, pura merda atrás de merda, o público parece concordar comigo.

Foi aí que entre um drink e outro começo a perceber o público. Meu deus!, é o paraíso das gostosas. Mulheres maravilhosas por todos os lados. Fico me perguntando se teria alguma chance com elas...

Simplesmente depois de um tempo não dá tempo para apreciação.

- Cinco cervejas. Dez cervejas. Vinte...

E por aí vai.

A segunda banda era bem melhor e o lugar começou a ficar realmente cheio. Começo a ficar preocupado.

- Isso aqui ainda tá tranquilo, tem que ver nos dias de pauleira - diz o cara gente fina.

- Não quero ver - respondo. Talvez o cara nem fosse tão gente fina assim.

O cuzão só dá risadas.

Quanto mais eu olho, mais vejo mulheres fenomenais cercadas por caras imbecis com cara de idiotas. Esses malditos nunca tiveram que levantar uma caixa, se sujar de graxa ou gordura, cortar 100 limões por noite. Todos eles eram brancos, limpos, bem alimentados e barbeados. Percebi que eu não era o bio tipo de homem que frequentava aquele lugar. Que se foda!, aquele não era o tipo de lugar que eu frequento, se bem que todas as mulheres bonitas da cidade parecem que estão lá.

Tento não olhar para o relógio o máximo possível e me concentrar no trabalho para não ficar desapontado, mas acabo olhando e fico realmente desapontado. Não é nem meia-noite ainda. Eu realmente preciso de um cigarro e decido que eu mereço um. Saio por conta própria.

Do lado de fora acendo um cigarro atrás do outro e fico apreciando as mulheres. Como são lindas e fúteis, uma péssima combinação, uma vez que sou feio e tento ser o contrário de fútil. Eu nunca irei ganhar nehuma delas desse jeito.

A terceira banda entra e eu fico com a sensação de que não vou aguentar até o fim da noite.

Continuo trabalhando do melhor jeito possível, só que daí eu olho pro lado. Quase tenho um ataque cardíaco fulminante do miocárdio quando no balcão eu vejo a mulher perfeita. Consegui achar a mais linda num oceano de mulheres lindas. A sorte grande. O rosto me lembrava alguém que eu já tinha conhecido há muito tempo atrás. Corpo escultural, mega peitos e bunda, quase da minha altura. Ela ficou boa parte da noite do lado do meu balcão conversando com uma amiga e eu não conseguia tirar os olhos dela. Penso em falar com ela, mas eu sabia que não teria chances e acabaria fazendo papel de idiota (coisa que eu nunca me importei), mas ela era diferente. Ela estava acima de todos os mortais.

Aparece um idiota e começa a conversar com ela. Penso em pular o balcão e dar uma garrafada na cabeça do sacana, mas achei que ela iria fazer algo parecido, pelo menos a princípio, mas depois começam a dar risada. Agora fodeu. Vejo uma aliança na mão esquerda dela, mas isso nunca impediu ninguém de trair. Do que será que eles conversam? Viagens ao exterior? Feriado em búzios? Nunca vou saber. Eu nunca saberia como abordar uma mulher daquele calibre, não sem antes beber horrores. Ficam conversando por muito tempo e ainda vejo esperança. Mas meu navio afunda quando eles se beijam. Isso não deveria me afetar em nada, afinal aquelas pessoas não me dizem nada, mas fico com um nó na garganta. Deixo tudo pra trás e vou fumar mais um cigarro. Já vi isso acontecer por tempo demais comigo. As mulheres, mesmo aquelas que eu nem conheço, exercem uma estranha fissura em mim, me afetam demais, e isso nunca é bom. Poderia ser pior, quando da vez em que trabalhei por duas noites num lugar cheio de caras gordos, peludos e bichas (ursos) se beijando e se esfregando sem camiseta na minha frente (e não havia ninguém que chegasse neles e falasse: “Cara, isso o que vocês estão fazendo é errado!”). Ou da vez em que trabalhei num restaurante onde no fundo havia um daqueles espelhos que de dentro não se via nada, mas de fora se via tudo, e eu ficava lá fora batendo punheta vendo as gostosas dançarem do lado de dentro. Era a punheta perfeita, até me descobrirem...

Resolvi voltar, não olhar para o lado e me concentrar no trabalho. Aquelas gostosas não faziam idéia do dano psicológico que estavam me causando.

Não acredito quando às quatro e vinte me mandam pra casa. Fico tão feliz que toda a raiva e ódio dentro de mim simplesmente desaparecem. Mas não por muito tempo.

Ganho a rua e vejo que só tem uma pessoa sem carro ou grana pra táxi. Acho melhor andar um pouco. Andar é sempre bom pra manter a saúde mental. Principalmente depois de uma noite daquelas.

Ando, me perco, ando mais um pouco, me acho e continuo andando. Vejo um mega acidente e penso que tem pessoas tendo uma noite pior do que a minha. Tudo bem, tudo bem...

Depois de alguns quilometros acho a avenida que estava procurando e pego um ônibus até em casa. O gosto de merda na minha boca me acompannha o caminho inteiro, tudo por causa das gostosas que nem sabem que eu existo. No ônibus as pessoas são menos saudáveis e bonitas, mais parecidas comigo e sinto uma certa empatia por todas elas. Assim como eu, elas se dirigem para a parte menos bonita e elegante da cidade, indo ou voltando do trabalho. Somos todos incrivelmente mais fortes e corajosos que aqueles babacas que eu passei a noite servindo. Somos de outra estirpe, a estirpe dos sofredores. Sofremos com o trabalho, com nossas casas, com nossa falta de sorte na vida e nossa falta de sorte com as mulheres, e isso me faz sentir como sendo muito melhor do que todos eles, e no dia em que eu convencer suas mulheres disso, aí sim eu me sentirei um verdadeiro vencedor.

lunes, 10 de noviembre de 2008

MALDITO ARMÁRIO

Ok, ok, eu sei que tenho esse péssimo hábito de cutucar meu nariz. E faço isso todas as noites mesmo antes de eu saber o que eram noites. E o pior que, por pura força do hábito, acabo fazendo isso na frente dos outros sem perceber. É terapêutico, é relaxante. Não, não, o pior mesmo é que ao invés de fazer uma bolinha e jogar por aí (pessoas educadas limpam num papel higiênico) eu faço uma bolinha, brinco um pouco, e depois grudo em algum lugar.
Lembro de uma vez em que não fazia muito tempo estava trabalhando num escritório e estava sozinho na sala do chefe e coloquei uma estrategicamente no batente da porta, num lugar onde não deveria ser visto e saí. Só que a faxineira viu, correu pro banheiro e vomitou. Cinco minutos depois reunião. Meu chefe só juntou os homens, porque ele preferiu imaginar que mulher nenhuma teria feito aquilo. Daí ele começou:
- Eu não vou citar nomes – BOI – de quem fez isso. Eu não sei quem foi – BOI! Mas por favor, quem fez isso – BOI – nunca mais faça de novo.
Eu neguei até à morte. Não queria perder meu emprego por uma catota mal posicionada.
Uma vez, não faz muito tempo, achei umas fotos do meu 1° aniversário. Eu olhava praquele pirralho cabeçudo e magrelo e não conseguia me identificar. Poderia ser qualquer outra criança de 1 ano. Mas em uma das fotos eu estava meio que escondido atrás do meu pai, com cara de culpado, e com o dedo no nariz. Eu vi aquilo e gritei:
- Puta merda! Esse só pode ser eu!
Mas de noite que as coisas ficam realmente boas. Toda noite antes de dormir, já deitado e com as luzes apagadas, eu faço a limpeza noturna. É sempre nesse momento que brota alguma idéia na cabeça e lá vou escrever (como hoje, e já são 4 da manhã), mas antes disso eu sempre faço a bolinha, brinco um pouco e coloca atrás da cama. É sempre na cama, mas não só na cama, que eu as coloco. Todas as minhas camas têm a prova irrefutável que eu já passei por lá. Por todo lugar onde passo, se as pessoas virarem as cadeiras, encontrarão lembranças minhas. São as minhas obras primas.
Eu sempre soube que isso poderia me causar problemas com as mulheres, se elas descobrissem, é lógico, só que elas sempre descobrem.
Como da vez em que eu estava morando com uma mulher de quem eu realmente gostava. Ela já havia me visto cutucar lá dentro algumas vezes, mas depois da quarta ou quinta vez eu comecei a prestar atenção antes de enfiar o dedo. Ela nem fazia idéia de que eu continuava fazendo isso toda noite depois que ela dormia, mas por respeito eu sempre lavava a mão depois disso.
Até o dia em que ela queria reorganizar o quarto e eu estava ajudando.
- Tá, agora vamos mudar essa cama e colocá-la naquela parede.
- Agora?
- É. Agora.
- Mas ela está bem aqui onde está.
- Não, aí vai ficar o armário novo.
Maldito armário novo.
- Ok, então vai lá fora e pega uma pá e uma vassoura.
- Pra quê?
- Acredite em mim. Vai lá e pega, por favor.
- Tá bom...
Ela foi e voltou.
- Agora espera lá fora.
- O que você vai fazer?
- Só faz o que eu tô te pedindo, vai ser melhor pra você.
- Mas eu quero saber pra que isso.
- Te conto quando acabar. Te juro.
Virei a cama e lá estava. Anos e anos juntando caca e colocando atrás da cama todas as noites. Era realmente bonito. Cada marca representava um dia da minha vida desde que me mudara. Como os presos que fazem marcas na parede para contar os dias. Era um calendário feito pelos homens das cavernas feito por um dos seus remanescentes.
Onde está a merda do celular quando se precisa dele?
- Amor, pega meu celular em cima da tv. E sem perguntas. Daqui a pouco te explico.
Tirei uma foto que realmente ficou boa e comecei a limpeza com peso no coração. Ou as melecas ou a mulher da minha vida, pensei. Não peraí, não tem nem o que pensar aqui.
Raspei tudo com a pá, varri o chão e joguei tudo pela janela.
Abri a porta.
- Olha, porque eu realmente amo você, tem como pegar o veja e um pano?
Limpei tudo com cuidado pra não deixar nenhuma sobra. Parecia novo depois disso, a não ser pelo fato de ficarem muitas manchas onde antes havia catotas.
Coloquei a cama no lugar e abri a porta. Sabia que teria que contar a verdade.
- Sabe, amor...
(Pausa)
Daí contei basicamente a mesma história que está aqui.
Uma das coisas que eu realmente gosto nela é o fato de nunca saber como ela reagiria com as coisas que eu contava, era realmente imprevisível. Com coisas grandes ela olhava pra mim e dizia “ok, tudo bem”, como quando eu bati o carro ou perdi o emprego. Agora com coisas pequenas é “puta que pariu, Daniel! Você é foda!”. Como logo quando ela se mudou e viu o lixo do banheiro sem saco plástico e os papéis de merda jogados de qualquer jeito lá, muitos até olhando pra ela, foi o clássico “puta que pariu, Daniel! Você é foda!” Ou quando eu não arrumava a cama “puta que pariu...”, daí eu dizia:
- Amor, se eu pensasse em arrumar as coisas, em primeiro lugar eu já não teria bagunçado, simplesmente não faria sentido, não é mesmo?
Não colou.
Ou quando eu não lavava a louça.
- Amor, eu simplesmente fico aqui sentado esperando que esse tipo de coisa se resolva sozinho.
- Você não está esperando que eu lave, né?
Sim.
- Não, claro que não.
Mas ela sabia quem eu era desde a primeira vez que fui no apartamento dela anos atrás. Eu queria usar o banheiro e ela disse pra eu não entrar lá (eu imaginei que deveria ter uma pilha de roupas sujas, ou um casal de velhinhos esquartejados na banheira) que ela não queria que eu visse (mulheres também são meio porcas), daí eu saí do apartamento e bem ao lado da porta havia um vaso grande com uma planta, abaixei o zíper e mijei no chão, depois chacoalhei e voltei (é, mas acho que os homens são piores). Não me lembro de ter lavado as mãos.
(Voltando)
- Puta que pariu, Daniel! Você é foda!
Eu já imaginava.
Só que dessa vez a coisa foi realmente séria. Discutimos por um bom tempo até ela fechar a porta e eu ter que dormir no sofá.
Como um amigo meu uma vez sabiamente disse: “O homem que tem que escolher o sofá de casa, porque invariavelmente é lá que ele vai passar algumas noites.”
Se ela soubesse que a cama era só o depósito principal e que havia muitos outros espalhados pela casa, ela terminaria comigo. Decidi que na primeira oportunidade eu limparia tudo.
Apaguei as luzes, me deitei e fiz a limpeza noturna, colocando tudo depois em baixo do sofá. Tudo o que eu pensava era “maldito armário”.
Dormi.
Acordei de madrugada assustado. Era ela me cutucando toda manhosa pedindo pra eu dormir na cama com ela. Eu fui.
Não precisou de muito tempo pras coisas começarem a esquentar. E quando eu já estava de pau duro ela começou a chupar eu dedo. Eu sabia que seria dali pra baixo.
- Que gosto estranho.
- Putz, esqueci de lavar a mão.
- Puta que pariu, Daniel! Você é realmente um filho da puta!
Começou tudo de novo, só que dessa vez eu nem abri a boca, simplesmente não tinha argumentos. Ela colocou a roupa, pegou as chaves do carro e saiu. Voltando só alguns dias mais tarde pra pegar suas coisas.
Acabei sem mulher e sem melecas e depois concluí que a foto das catotas era melhor do que todas as fotos que eu ainda tinha dela. Bem, seria um longo caminho, mas faria tudo de novo.

martes, 30 de septiembre de 2008

PEQUENA PENSÃO DOS HORRORES

Já se haviam passado dois meses que eu estava em Buenos Aires nutrindo meu sonho de encontrar uma Argentina rica enquanto minhas dívidas no Brasil caducavam. As coisas estavam indo bem: arrumara um emprego, tinha um lugar descente pra dormir e tinha comida na mesa. Mas isso não iria durar muito.
Acontece que naquele mês de Julho os preços do lugar onde eu estava iriam subir por causa da temporada, mas voltariam ao normal no mês seguinte, daí eu pensei: “Bem, eu moro em qualquer outro lugar e no mês que vem eu volto pra cá”. Mas as coisas foram bem diferentes.
Minha chefe encontrara um lugar mais ou menos perto do trabalho e com um preço abaixo da média, e como a grana andava curta eu não pensei duas vezes em arrumar as minhas coisas e ir pra tal “pensão familiar”.
Cheguei ao lugar com meu amigo e pensei comigo mesmo quando vi a fachada “nada mal, nem precisava tanto”. Mal sabia eu que faltava e muito.
Apertei a campanhia e uma velha muito estranha atendeu. Não fui com a cara da dona logo de cara, nem ela com a minha.
- Você é brasileiro?
- Sou sim.
- Minha filha se casou com um e foi uma péssima experiência.
Se casar por si só é uma experiência ruim.
A pensão tinha 3 andares. No primeiro a velha morava com o marido e a filha, no segundo tinham quartos maiores e dois banheiros, no terceiro os quartos menores e só um banheiro, o lugar não tinha cozinha. Eu fiquei com um dos quartos realmente menores.
Quando entrei no meu quarto fiquei abismado. Que lugar de merda! Mas era isso ou dormir na rua. Eu realmente tive motivos pra pensar assim, e olha que eu não tenho nem um pouco de frescura, o quarto tinha 3x1,5m com as paredes de madeira compensada e o teto de isopor. Tudo o que cabia no quarto era eu, minhas coisas, uma cama menor do que eu, um armário cheio de venenos de baratas e uma cadeira que em eras passadas já fora vermelha.
Bem, era isso ou a rua. Pelo menos tinha uma janela pra rua, alguns dos outros quartos tinham janelas pros corredores.
Como o lugar não tinha cozinha o fogareiro de duas bocas ficava no corredor, tinha uma geladeira em cada andar, mas como eu não pensava em cozinhar não fazia diferença. O banheiro era nojento. A privada não tinha assento e a pia ficava sempre cheia de restos de comida, já que não tinha onde os caras lavarem a comida. Cozinha deve ser coisa de rico, só pode. Naquele banheiro peguei uma micose fodida logo nos primeiros dias que durou semanas. Pra piorar ainda teve alguém com senso de humor maior do que a maioria que começou a decorar as frestas do banheiro com pedaços de papel higiênico cheios de merda. Puta que pariu! Pelo menos tinha água quente.
Os primeiros dias foram os piores, mas como eu trabalhava passava a maior do tempo fora, só voltando pra tomar banho e dormir. Complicado mesmo eram os finais de semana, onde tudo o que eu fazia era ler e ler mais um pouco. Lia um a dois livros por final de semana, era tudo o que eu podia fazer, porque ficar de bobeira naquele frio não era uma idéia muito boa. E ainda tive a sorte de pegar um dos invernos mais rigorosos da história daquele lugar, tanto que até nevou depois de quase 80 anos. E posso dizer que as paredes de madeira e o teto de isopor não ajudaram muito. Fazia incursões diárias pra padaria comprar a minha única refeição do dia e à noite quando a fome apertava eu roubava algum leite da geladeira. Alguns chamariam isso de ato vergonhoso, eu de sobrevivência.
E as pessoas que moravam lá... Tinha um velho desdentado que todo dia quando me via falava sempre a mesma coisa:
- Que frio, não?
- É.
- Eu fiquei no seu quarto por 4 anos e quase morri de frio.
- É mesmo?
- Mudei de quarto por causa do frio, agora no que estou não tem janelas.
O quarto dele era o menor da pensão e o mais barato. Me senti com sorte. Poderia ser pior.
- Mas até o final do ano eu me mudo daqui. Vou pra um lugar melhor.
O céu?
- Claro.
E isso se seguiu por todos os dias nos dois meses em que fiquei lá. Ele não saia da pensão e vivia à base de bifes que me deixavam com mais fome. Igual o cara da pensão do Arturo Bandini, mas pelo menos ele nunca me pediu dinheiro emprestado.
O único amigo dele era o velho que morava no quarto na frente do meu. Esse não tinha nenhum dente e quando falava comigo eu só concordava porque nunca entendi uma só palavra do que ele dizia. Esse velho vivia de limpar vitrines nas lojas e o quarto dele tinha livros e garrafas de bebidas até o teto. Fiquei preocupado em acabar minha vida igual a ele.
Havia também um cara que todas as noites ouvia o Rei Roberto Carlos em espanhol, e no quarto ao lado do meu tinha a única mulher da pensão que só vi uma vez.
Mas o melhor de todos era o vizinho da direita. Mestre Davi. O cara mais feio que vi por aqueles lados. Num belo sábado estava eu deitado lendo quando alguém bate à minha porta.
- Oi, tudo bem?
- Oi.
Ele também não tinha vários dentes.
Percebi depois que as pessoas que moravam na parte de baixo pareciam muito mais saudáveis que as da parte de cima. As que moravam no meu andar precisavam de planos odontológicos urgente, e muitos de dentaduras.
- Eu estou indo ao mercado e queria saber se você não precisava de alguma coisa.
- Não. Eu estou bem, só um pouco gripado.
- Você é brasileiro?
- Sou sim.
Daí ele sorriu. Preferia que não tivesse. Aquela boca era monstruosa.
- Eu gosto de brasileiros. São todos “buena onda”.
- Bem, eu gosto de pensar que sou.
- Vou comprar um remédio pra você.
- Ok.
- Já volto.
Alguns minutos depois ele bate na porta de novo.
- Comprei essa garrafa de vinho pra você.
- Obrigado.
- Antes de dormir aqueça um pouco e beba. No dia seguinte você vai se sentir muito melhor porque o álcool mata os anti-corpos.
Eu nem me dei ao trabalho de explicar o que eram anti-corpos. Só agradeci.
- Pode deixar que eu tomo. A propósito, meu nome é Daniel.
- Prazer, eu sou Davi. Quer tomar uma cerveja?
- Claro.
Eu estava pensando em beber aquele final de semana mesmo. Minha chefe, com quem eu havia ficado por um tempo, havia me chutado naquela semana porque ao invés de procurar trabalho numa lanchonete como lavador de pratos eu fiquei na casa do meu amigo tomando cerveja, e assim eu não poderia dar um futuro pra ela. A mesma merda de sempre. Mas essa eu queria ver: "lavador de pratos brasileiro dá futuro pra garota rica argentina", só na cabeça dela.
Ficamos um tempo bebendo cerveja e conversando. O cara até que era gente fina. Ele tinha ex-mulher e filho e estava naquele lugar porque gastava todo o dinheiro dele com bebida. Não tem como não sentir compaixão por um cara desse. Pode ser o futuro de qualquer um de nós.
- Gasto todo meu dinheiro com bebida e putas.
- É o mal de todos nós.
- E tem que ser com puta mesmo. Porque mulher só quer saber de futuro.
Olha só! Até nossos problemas eram parecidos.
- Vem cá. Olha isso. – ele me convida.
E o cara me mostra o quarto. Nossos quartos eram do mesmo tamanho, mas de algum jeito sobre-humano o dele era bem mais bagunçado que o meu. E eu achava que isso era impossível.
- Olha isso. Olha onde eu moro. Vou dar futuro pra quem com isso? Não tenho futuro nem pra mim.
Ele era um cara que sabia das coisas.
Acabaram as cervejas e fomos pro bar. Depois pra outro e mais outro. Num deles saímos sem pagar a conta. Ele era definitivamente um dos meus. Só que ficava bêbado muito rápido. Tentamos jogar bilhar, mas fomos barrados porque o cara mal conseguia ficar em pé.
- Vamos pro puteiro então. Eu pago – ele disse.
Bem que eu queria, mas ele não conseguiria chegar lá. Decidi que era melhor levá-lo pra casa.
O caminho todo fui carregando ele no braço, e quando eu achava que não conseguiria mais, chegamos na pensão. Subimos as escadas, joguei ele na cama e fui escovar os dentes. Na volta dei uma olhada pra ver como ele estava. Ele estava caído no chão com a cara em cima de um copo cheio de cinzas de cigarro. Peguei o cara e o joguei em cima da cama de novo. Fui pro meu quarto e ouvi o baque dele caindo de novo no chão. Agora ele estava por conta própria.
Fiquei sem vê-lo por alguns dias, até o fatídico dia que ele me chamou pra beber de novo. Disse que não podia pois teria que trabalhar cedo no dia seguinte. Pra ele não fez diferença porque ele bebeu sozinho e ficou enchendo o meu saco a noite toda. Não só o meu como de todo mundo até às 3 da manhã. Ele gritava, cantava, batia na minha frágil parede pra eu beber com ele, mas quando ele tentou entrar na minha porta eu fiquei puto e pensei: ou eu bato nesse cara ou vou chamar alguém que tenha autoridade pra conter esse maldito. Chamei o dono da pensão, que falou um monte pra ele, desligou a luz e trancou a porta. Fazer o quê? O cara tava mais fodido que eu e me pagou algumas cervejas alguns dias antes.
No dia seguinte de manhã ele já estava acordado e pelo que parecia não se lembrava de nada. Me chamou até pra tomar café-da-manhã com ele, mas disse que estava atrasado. Desci pro andar de baixo eu fui dar uma cagada. Nisso o dono da pensão subiu , falou um monte pro pobre Davi e o expulsou da pensão. Ele ainda disse que se saísse de lá teria que dormir na rua, mas o velho não se comoveu. Nunca mais o vi.
Morei naquele lugar por dois meses, e a maioria do tempo eu passei lá lendo, bebendo e vomitando. E depois fiquei cansado de passar fome e frio e decidi que era hora de voltar e tentar alguma coisa por aqui de novo. Ganhei alguma experiência nisso tudo, algumas foram boas, mas a maioria não. Demorei mais de um mês pra me acostumar com minha cama de novo e percebi que fiz um desnível só de um lado porque a cama que eu dormia na pensão era menor do que eu e assim não dava pra me esticar direito
Ainda penso nas pessoas que estão por lá, lugar onde muitos moram há anos e será onde eles eventualmente irão morrer. Por sorte eu não.

MULHER É TUDO A MESMA COISA

Era uma noite fria como todas as outras. Depois de passar a maior parte da noite na casa do meu amigo fumando maconha, decidimos que seria bom emendar para outro lugar. O bar mais próximo, no caso. Mas não era o tipo de bar que eu estava acostumado com mesas de bilhar, bebidas baratas e pessoas realmente bêbadas – esse lugar era pra pessoas civilizadas. Grande merda. Desde que eu não pagasse...
Então lá fomos nós – eu, uma amiga (que posteriormente se tornaria minha chefe num dos trabalhos mais idiotas da minha vida, e pelo que tudo indicava estava interessada em mim) e a amiga dela. Fomos a pé até o lugar. Nada de mais foi dito no caminho, até porque elas não sabiam falar a minha língua, e eu estava aprendendo a delas. Mas bêbados falam numa língua universal.
Chegamos. Que lugarzinho mais estranho. Definitivamente não é meu tipo de lugar.
- O que vocês vão beber?
- Cerveja pra mim. – eu digo.
- Pra mim também.
- Eu vou querer um suco.
- Suco? Mas quem caralhos toma suco num lugar desses às duas da manhã? – esse foi eu pensando.
- Estou de dieta.
Deveria mesmo. Vê se cria vergonha e perde uns quilos pra entrar no padrão boi de qualidade. Isso foi o que eu gostaria de ter dito. Ao invés disso eu disse:
- Pára de frescura e toma uma cerveja com a gente.
- Cerveja eu não tomo, mas tomo uma dose de tequila se vocês quiserem.
- É claro que eu quero!
Pedimos. O garçom trouxe e disse:
- Tem que pagar agora.
Faço uma mesura exagerada para pagar minha carteira.
- Pode deixar que a gente paga essa.
- É, quando você estiver trabalhando você compra alguma coisa pra gente.
- Claro. – Mal sabia ela...
Depois disso vieram mais tequila e mais cerveja e elas continuaram pagando, e eu bebendo. Comecei a ficar bêbado.
- Peraí que eu vou ao banheiro.
Essas coisas são programadas nos mais sutis dos detalhes por forças superiores, porque quando eu abri a porta do banheiro o vômito subiu e tudo foi despejado no seu devido lugar: um pouco na privada, um pouco no chão e mais um pouco no meu tênis. Por sorte nada na minha calça. Respiro fundo, saio e me olho no espelho. Que bom, não pareço tão bêbado como realmente estou. Assim é melhor porque acaba vindo mais cerveja. Bebo doses cavalares de água pra tirar o gosto de esgoto da boca e volto pra mesa. Mais cerveja.
Quando a coisa estava ficando boa alguém anuncia:
- O bar já está fechando.
- Pra onde vamos agora?
- Eu não quero voltar pra casa.
- Agora que está ficando bom.
- Vamos pra outro bar então.
Eba!
Foi só atravessar a rua.
Droga, acabaram meus cigarros!, penso comigo mesmo.
- Droga, acabaram meus cigarros!
- Eu compro pra você.
Assim é fácil demais.
O bar que entramos era ainda pior. Tinha uma pista de dança. Homens machões não dançam. Por sorte pegamos uma mesa mais afastada.
Chegou mais cerveja. A essa hora eu nem fazia mais questão de fingir pegar minha carteira.
- Vamos dançar?- minha futura chefe me pergunta.
Você só pode estar zuando com a minha cara.
- Eu não danço.
- Por favor.
- Ok.
Eu realmente me esforcei pra dançar direito. Tentei me lembrar do Sidney Magal dançando num programa qualquer de Domingo, mas falhei miseravelmente.
- Meu deus! Você não sabe dançar?
- Deu pra perceber?
- Mas você é brasileiro.
- Eu também não sei jogar futebol.
Desisti. É melhor eu me concentrar na cerveja.
A outra me diz:
- Agora você vai dançar comigo.
Bem, um pouco mais de humilhação pública nunca fez mal a ninguém bêbado.
Elas riram de novo.
Já era de manhã quando o lugar fechou.
- Você tem dinheiro pra condução?
Agora eu estava a disposto a realmente não gastar nada.
- Hum... Bem...
- Toma. Pra você pegar o ônibus.
E assim elas se despediram de mim.
Aconteceu que naquela noite eu bebi demais (o que não é nenhuma novidade), mas elas realmente estavam esperando alguma coisa de mim. Eu só pude dar o meu tempo pra elas. Alguns dias depois eu acabei dando bem mais do que isso. Mas foi uma boa noite, pra mim.
Peguei o ônibus, dormi, acordei, desci, dei uma mijada na rua, toquei algumas companhias a esmo e fui comprar um alfajor, que naquela cidade era uma das poucas coisas boas que ela tinha pra oferecer.

lunes, 29 de septiembre de 2008

IGREJA SERVE PRA ALGUMA COISA

Meus dias de sorte já há muito tempo se acabaram. Já fazia um tempo toda a alegria que eu tinha me era proporcionado pelos meus amigos, e isso já estava me irritando, e imagino que a eles também. E quando eles disserem “chega” aí sim eu estarei fodido.
Mas a vida não é só lamentos. Porém, justo quando eu estava realmente disposto a conseguir um emprego eu acabei quebrando meu dedo numa queda vertiginosa a 100 Km/h na frente do pior bilhar da região. Se eu estava bêbado? Que pergunta mais retórica. Levei 3 pontos na mão depois de tomar um porre homérico numa festa à fantasia; as chagas de Cristo apareceram nos meus dois joelhos voltando pra casa com meus amigos (só me lembro de quando chegar em casa ter olhado pros meus joelhos e me perguntado “como diabos isso foi parar aí?”); num natal tentei atropelar um carro, e não precisa ser gênio pra saber quem levou a pior; e por aí vai...
Então mais uma vez machucado minhas chances de conseguir um emprego estavam indo latrina abaixo. Até parecia que deus não queria que eu trabalhasse. Será? De qualquer jeito eu iria utilizar meu salário pra gastar em cerveja e em motel com uma mina que apareceu na minha vida, mas de qualquer forma ela, como todas as outras, acabou me chutando pelo mesmo motivo. Ah, que se foda essas vacas! Eu iria gastar tudo em cerveja e puteiros.
E lá estava eu e meu amigo no centro num dia de semana vadiando, e quando sobrava uns trocados íamos no fliperama. Eu sei, eu sei... Nada muito digno, mas quem pensa em dignidade quando está desempregado?
Estávamos passando na praça das flores, é ali na João Mendes, atrás da catedral da Sé, bem no meio da cidade, você sabe muito bem onde fica. Foi lá que eu a vi. A mesma mulher que eu havia visto quando eu tinha 15 anos e ainda povoa meus sonhos masturbatórios. Claro que se você sabe onde isso fica nem preciso dizer que era uma puta. Sempre fui afim daquela puta desde a primeira vez que a vi. Passados quase uma década estava na hora de realizar meus sonhos.
- Cara, vou comer aquela puta hoje – disse.
- Ela é muito gostosa.
- É sim. Vai ser hoje.
- Quanto será o esquema?
- R$ 40,00. Já perguntei uma vez.
- E onde que é?
- Tem um motel ali do lado que elas vão, mas é foda, sempre vi gente entrando, mas nunca vi ninguém saindo de lá.
- Aqui no centro é foda. Nunca se sabe.
- Eu é que não quero saber.
- E como você vai fazer?
- Não sei, você fica me esperando, sei lá.
- Mesmo assim é foda.
- É, eu sei. Vamos beber mais um pouco pra eu criar coragem. Beber deixa qualquer um corajoso.
Paramos num bar e começamos a beber. Hoje não teria fliperama.
Eu tinha exatamente R$ 50,00 que havia juntado sendo o pagador oficial de contas em casa e sempre sobrava alguma coisa (igual quando se tem 9 anos e sua mãe te manda comprar o pão e diz pra você ficar com o troco. É, eu sei, é vergonhoso, mas quando se está sem sorte e debilitado não há muito que se fazer) e como a fila de deficientes era menor, eu levava alguma vantagem. Sempre achei que aquela era a minha fila de qualquer jeito.
Quando os dez reais pras bebidas (cerveja e 51) haviam acabado eu já estava pronto pra atacar. Falei pro meu amigo me esperar e lá fui eu.
- Olá, moça.
- Oi, gatinho. Afim de fazer um programa gostoso hoje?
- Claro que estou. Eu passo aqui desde meus 15 anos e você sempre pisca pra mim.
- Eu pisco pra todo mundo.
- Mas eu prefiro pensar que você só pisca pra mim. A primeira vez eu não sabia o que você era, mas depois que eu descobri não fez a menor diferença. Você continua loira, bonita e gostosa.
- Que bom pra mim, não?
- Bom pra metade dos freqüentadores do centro também.
- Então, gatinho, o programa custa R$ 50,00.
- Como assim? Não era 40?
- Quando foi a última vez que você perguntou?
- Há nove anos atrás.
- Bem, isso explica muita coisa.
- Droga! Eu gastei 10 com bebidas.
- Então arranja mais dez e vamos pro motel.
- De qualquer jeito não gosto da idéia de ir nesse motel. Coisa minha.
- Então não tem jeito.
- Não, espera aí. Eu sonho com você já faz muito tempo. Faz essa pra mim.
- Não dá. O motel fica com a parte dele.
Pensando... Nossa que grande idéia! Bêbado sempre se pensa melhor.
- Você é religiosa? – pergunto.
- Não. – fazendo uma cara estranha.
- Acredita em deus?
- Não com essa vida. – com toda razão.
- A gente poderia ir ali na igreja...
- Tá maluco? Na catedral?
- Claro que não. Tem aquela igrejinha ali do lado (e tem mesmo). Lá é sempre vazio. Ainda mais essa hora.
Se ela aceitasse deus existe e confirma minha teoria que ele tem um senso de humor bizarro.
- Tá bom. Mas é só pra você. Assim eu ainda pego a grana toda pra mim. Mas e se pegarem a gente?
- Ninguém vai pegar a gente. Confie em mim (muitos já fizeram isso com conseqüências desastrosas).
Que bom que ela não estava se vestindo como uma puta, apenas como uma mulher, no máximo, extravagante. Só para que os homens torcessem os pescoço pra ver a parte traseira. Que era generosa.
Ela foi na frente e eu fui atrás sem perdê-la de vista. Como previsto a igreja estava às moscas. Ela foi pro banheiro feminino e eu esperei do lado de fora. Esperei um pouco e ela abriu a porta e entrei.
- Olha, só não vai dar pra demorar muito por motivos óbvios. Se nos pegarem a gente se ferra bonito.
- Sem problemas.
O que é um céu sem um pouco de inferno, pensei.
Entramos no reservado que estava mais afastado e que estava divinamente limpo. Esse pessoal faz um bom trabalho.
- Me paga agora.
- Com todo prazer.
Daí então começou. Ela abaixou minhas calças e começou a trabalhar.
- Puta merda! É isso aí.
Puxei um peito dela pra fora.
Ela me olhando lá debaixo com aquela carinha de safada. Eu pegando naquele peitão dentro de uma igreja. Jesus! Me esforcei pra não gozar.
Ela abaixou a calcinha, virou de costas, arrebitou aquele traseiro imenso, colocou a mão na parede e disse as tão sonhadas palavras:
- Mete gostoso.
E eu meti. Por deus, eu estava no paraíso. Colocando e tirando, colocando e tirando. Isso é bom demais. Quando estava pra gozar alguém entrou no banheiro. Tapei a boca dela e fiquei parado. A vagabunda continuava a se mexer, mas bem devagar agora.
A mulher entrou no reservado e eu pensei “por favor, deus, que ela não vá cagar”. A puta parecia estar gostando da coisa toda.
Menos de dois minutos depois estávamos sozinhos de novo. Minhas preces foram atendidas. Obrigado deus!
- Isso tá me dando um puta dum tesão, sabia?
- Sabia sim.
Daí comecei a meter com força de novo naquele buraco quente e molhado. Demorei um pouco e gozei. A melhor gozada da minha vida.
- Meu deus! Isso foi muito bom.
- Eu nem consigo me mexer.
- Gostei de você. Na próxima vez a gente repete isso.
- Na próxima vez a gente acha outra igreja, ou sinagoga, ou qualquer outra coisa.
Ela me deu um beijo e saiu.
Eu estava em êxtase e pensei em desrespeitar a casa do senhor mais um pouco. Pensei em acender um cigarro, mas sei que não é bom abusar da paciência do divino. Hoje ele já tinha dado a minha cota. Quando estava procurando meus cigarros achei uma moeda de um real. Saí de lá e depositei na caixinha de doações. Aquilo era tudo o que eu podia fazer pela igreja e aquilo foi tudo o que ela pôde fazer por mim. Nada mal. Dei uma piscadinha pra Jesus lá morto na cruz e tenho certeza que ele piscou de volta.
Ao sair da igreja meu amigo estava me esperando no bar.
- Caralho, cara, onde você estava?
- Comi a puta dentro da igreja.
- Você tem merda na cabeça.
- E quem não tem?

EU TAMBÉM... NÃO

Sempre achei estranho o fato de meus amigos só me contarem o que fizeram depois que eu contar que fiz primeiro. Por exemplo: quando eu contei que fizeram fio terra em mim, um monte de gente levantou a mão e disse “eu também!”. Quando disse que eu havia cagado nas calças, um monte de gente disse “eu também!”. Quando disse que havia bezuntado minhas bolas com leite condensado e que minha cachorra lambeu, foi a mesma coisa: “eu também!”. Daí eu pensei: O que esses caras já fizeram e não me contaram ainda?
Num dia desses em casa, comprei algumas cervejas e chamei um amigo que eu suspeitava já ter feito algumas coisas suspeitas e nunca contou pra ninguém. Bem, eu queria ser o primeiro.
Depois de algumas cervejas...
- Pô, cara, se lembra daquela vez que bebemos todas e fomos no centro?
- Claro! Fizemos um monte de merdas! E esse dia nem foi o pior.
- É verdade. Teve aquele caso com as cachorras...
- Poxa, que saudade da Charlote...
- A que fugiu por maus tratos?
Depois de varias cervejas.
- Cara, eu já chupei uma pica.
Mentira, mas esperei a reação.
- É, cara, eu também. Faz algumas semanas.
- Puta merda! Eu sabia! Viadinho de merda!
- Como assim? Você não fez a mesma coisa?
- Nem. Eu só suspeitava que tinha gente que fez mais coisas e que nunca contaram. E que como sempre sou eu que falo primeiro e depois todo mundo fala “eu também!” eu sabia que tinha que arriscar com você.
- Quer dizer que você nunca chupou pica?
- Claro que não! Tá maluco?!
- Merda!
Então ele tira uma .38 da cintura, pede desculpa, e atira bem na minha cabeça. Que viado filho da puta. Ele já estava preparado pra isso. Não vi mais nada...

No dia seguinte.
- Caralho, cara! O que aconteceu com ele? (chorando)
- Então, velho. Ele disse pra mim que tinha chupado uma pica algumas semanas atrás e se matou na minha frente. (triste pra porra)
- Sério? (confuso)
- Sério. (sério)
- Que bichona esse cara! (sorrindo)
- Foda-se esse cara e vamos tomar umas cervejas! (aliviado)