sábado, 26 de mayo de 2007

FELICIDADE MATA

A coisa toda só havia piorado.
Desde a última vez em que a vira, tudo só piorou.
Tem comido pouco, dormido mal, o olhar agora é vago e parece meio embaçado, embaçado como vidro fosco.
E isso preocupava a todos, menos a ele. Cedo ou tarde a coisa deveria passar, afinal tudo passa, como Nelson Ned já dizia.
Mesmo assim desistiu de muitas coisas, mas sobretudo desistiu de tentar, e isso para muitos era o fim do poço, mas para ele era só o começo, sabia que a coisa sempre poderia piorar.
Mas não melhorar. Se melhorar muito, a coisa se torna perfeita, e a perfeição é algo a se buscar, mas nunca alcançar.
Como a felicidade.
Ele já conhecera muitas pessoas que se sentiam felizes, que se julgavam perfeitas, mas isso era algo que ele não queria pra ele, sabia que se as pessoas tivessem um senso crítico igual ao dele coisas ruins aconteceriam.
Como suicídio, por exemplo.
Ele sabia que se um dia se tornasse feliz, nada mais valeria a pena, a coisa não poderia ficar melhor.
Melhor não fica, mas pior, bem, acho que ficou claro que pior sempre dá pra ficar.
Por isso que seguia vagando, sem rumo nem direção, pois ele sempre achava que quem não soubesse pra onde ia, qualquer lugar serviria.
E bebia muito.
Isso lhe dava algum prazer, mas nada era perfeito, afinal não tinha a mulher de seus sonhos como uma vez tivera. Estranho, mas agora pensava que quando a tinha faltava alguma coisa, mas agora sabia que era feliz naquela época. Ficou contente de descobrir isso agora, pois isso salvou-lhe a vida, se tivesse essa consciência antes, já teria se matado.
E ficou assim durante algum tempo, até o dia...
Até o dia em que o telefone tocou.
- Alô?
- Alô, Daniel?
- Eu mesmo. Quem fala?
- Shirley, lembra de mim?
...
Ele engasgou com o coração que saltou-lhe à boca.
- Sim, sim, claro!
- Tudo bem?
- Tudo sim, e você?
- Vou bem... Nossa já faz tanto tempo, tenho tantas novidades.
- Bem, eu acho que continuo na mesma, quer dizer, ainda vivo.
- Não sei, pensei muito antes de te ligar. Sabe, eu gostaria de saber se a gente podia se ver um dia desses... colocar as coisas no lugar e, quem sabe, relembrar os velhos tempos...
- Quer saber de uma coisa?
- O quê?
- Vá se foder, sua puta!
E desligou o telefone, ele não estava preparado para o suicídio, não ainda.
Sabia que se voltasse, a coisa poderia se tornar perfeita.
Felicidade é algo traiçoeiro.
E muitas vezes leva à morte.

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