sábado, 26 de mayo de 2007

A ARTE DE FAZER ENTREVISTAS

Esse lance de procurar emprego nunca me agradou, na verdade, nem o lance de trabalhar, e descobri recentemente que eu levo jeito é pra vagabundo mesmo.
Mas como dinheiro não dá em árvore e seguro desemprego são só cinco parcelas, lá vou eu atrás de mais um emprego idiota. E digo “idiota” porque quando você não faz o que quer, você só pode ser um cara imbecil, e acreditem, eu sou um.
Depois de três meses em casa vagabundando (e a grana acabando) achei necessário a minha volta ao mercado de trabalho, mas nada que desse muito trabalho.
“Sete dias gratuitos.” Quem nunca viu isso? Eu vi e entrei.
Nada mal, algumas entrevistas em apenas uma semana, minha área não está tão ruim assim, esse site não é de todo mal.
Engano meu, depois de sete dias lá está o débito na minha conta. Tudo bem que o erro foi meu por não ler o e-mail que eles mandaram...
Que seja! Entrevista marcada pra sexta-feira e lá vou eu.
Acordo cedo (coisa que eu me desacostumei), aparei a barba (cortar tudo jamais!), me vesti de palhaço (calça social e camisa por fora da calça, claro) e lá fui eu com um currículo embaixo do braço pra droga do lugar.
Lugarzinho bacana, bem localizado e sem a cara de escritório, é o típico lugar que quando você passa na frente não sabe bem o que é na verdade.
Cheguei ao lugar às dez da manhã. Primeira uma entrevista com uma psicóloga (?) que depois me mandou fazer uma porrada de testes idiotas, coisas com riscos e figuras, e fora um questionário sobre perguntas pertinentes a minha “profissão” que eu realmente não soube responder, sou um péssimo funcionário. Já estava ficando realmente chateado com aquilo tudo, e pensava o que aconteceria se eu simplesmente levantasse e fosse embora. Acho que as coisas poderiam ser bem melhores se eu tivesse feito isso, mas o que eu tinha a perder? E eu não estaria aqui escrevendo isso. Então fiquem agradecidos por eu ter ficado lá.
Depois de entregar um texto sobre a “arte de ficar em casa” chegara a hora do almoço.
- Por favor, volte daqui a uma hora para fazer a entrevista com o chefe.
Almocei e depois de uma hora voltei.
Filho da puta. Me deixou esperando por mais de uma hora. Será que isso fazia parte do teste? Acho que não.
Me chamaram e lá fui eu na sala do cara.
Ele se parecia com qualquer outro chefe metido a besta de filmes hollywoodianos, e eu não fiquei nada surpreso com isso.
Apresentamos-nos.
- Nós somos uma empresa – começou ele – que tem mais de mil e quinhentos funcionários, somos a maior do nosso ramo, com filiais por toda São Paulo, Rio e Paraná.
Grande coisa. Odeio quem se gaba pelo emprego que tem, se ele ainda fosse dono daquela merda toda, mas nem isso ele era.
- Quando você terminou o segundo grau? – perguntou ele.
- Em 2001.
- E não pensa em fazer nenhuma faculdade?
- Eu sempre achei que uma pessoa não precisa de uma faculdade pra ser alguém na vida – respondi. Na hora eu pensei no Bukowski, mas ele não é um bom exemplo. Depois pensei no meu pai, era um exemplo pior ainda.
- Olha filho...
Ele era meu pai e eu não sabia?
- Eu também tinha duvidas sobre o que fazer quando tinha a sua idade, mas depois eu decidi por Administração de Empresas com Ênfase em DEPARTAMENTO PESSOAL. Estou nessa área há DEZOITO ANOS. Conheço TUDO sobre departamento pessoal.
Como todo mundo que não sabe o que fazer ele também fez administração atrás de dinheiro. Eu juro que ele salientou todas essas palavras como se fosse alguma coisa importante, pra mim não era. O cara realmente se achava grande coisa.
Depois de mais perguntas, e ele ainda ressaltou que eu não fui muito bem nas questão sobre a minha “função”, ele disse:
- Bem, vejo pelo seu currículo que você está desempregado há uns três meses?
- Certo.
- E que está querendo voltar ao mercado de trabalho.
Silêncio.
- Você não está querendo voltar ao mercado de trabalho? – Insistiu ele.
Mais silêncio.
- Então...?
- Bem, querer trabalhar eu não quero... – comecei.
- Você não quer trabalhar? – perguntou ele confuso.
- Exatamente. Eu não quero trabalhar, mas eu preciso trabalhar. Infelizmente não nasci rico, entende?
Silêncio de novo. Agora por parte dele.
- Sei... – respondeu ele com cara de bobo. E ele nem precisava se esforçar muito.
Sinceridade acima de tudo, eu sempre pensei assim. Ninguém mandou ele fazer a pergunta errada. A culpa, se é que ela existe, era dele, e não minha.
- Entendo, entendo. Então, eu tenho mais uns três candidatos a entrevistar...
Foi aí que eu saquei que ele estava mentindo, safado. Nem pra dizer a verdade e falar que não tinha gostado de mim, e nem das minhas respostas.
- E na semana que vem – ele continuou – eu ligo pra você. Boa tarde.
Me levantei e nem me dei ao trabalho de apertar a mão dele.
Abri a camisa, arregacei as mangas, coloquei meus óculos escuros e fui pra casa feliz e contente, com a sensação de que fora um trabalho bem feito.
Adivinha se eu consegui o emprego?

CICATRIZ

Eu estava lendo Bukowski sentado na privada quando li que ele mesmo achava que tinha mãos bonitas, então olhei para as minhas. Elas são legais, grandes e um pouco peludas, e fora a cicatriz que eu tenho próxima ao dedo mindinho na mão direita tudo estaria perfeito. A cicatriz se encontra no exato lugar onde a mão fechada em forma de soco atinge alguém, ou alguma coisa e, no meu caso, foi a segunda opção.
Foi numa festa à fantasia onde se encontravam algumas milhares de pessoas, todas muito bêbadas. Não que festas à fantasia me interessem, mas o fato de ser open bar sempre me interessa, e se você for macho o suficiente, não importa o quanto você pague, você sempre dará prejuízo. Não que a gente tenha pagado alguma coisa (a namorada de um amigo meu arranjou algumas entradas grátis), que seja, o importante é que só tínhamos que nos preocupar com as fantasias. Fomos à uma loja de fantasias na Vergueiro que se mostrou um dos lugares mais interessante da minha vida (cada roupa que colocávamos era mágico, nos transformávamos em outras pessoas, sei que isso parece gay, mas é verdade) e depois de muitas horas saímos de lá com duas fantasias de Jedi (uma minha), e uma de conde drácula (a namorada desse mesmo amigo já tinha descolado a fantasia dela de princesa).
Antes de irmos paramos numa lanchonete chique para comermos (também de grátis). Foi interessante a gente andando no meio do lugar todos fantasiados e as pessoas olhavam com um ar de “o que esses caras tão fazendo aqui com essas roupas?”, eu estava achando tudo o máximo.
(Agora chegamos na parte interessante.)
Chegamos ao lugar embaixo de uma puta chuva, isso depois de ficarmos perdidos no centro, mas chegamos. Primeira coisa a se fazer quando você se encontra num lugar que você acha uma merda é encher a cara, e como era open bar, bem, vocês já devem imaginar o estrago. Fui direto pro rum, bebida de piratas, e bebi vários copos, acho que aquele foi o primeiro dia que eu tomei rum.
No começo eu estava achando tudo aquilo uma merda, caras mais musculosos que eu e com cara de boyzinhos; minas com cara de vagabundas que só ficariam comigo bêbadas, mas nunca sãs; som horrível tipo eletrônico; mas sabia que tudo isso passaria depois que o rum fizesse efeito, então bebi mais. E meus amigos também,
(Agora chegamos na parte em que o título faz algum sentido.)
Como aquilo tudo estava demorando demais pra fazer efeito, eu pedi uma dose de copo cheio (e era um Sr. copo) e decidi virar tudo de uma vez. Segurei no braço do meu amigo pra não vomitar e lá fui eu virar todo o líquido dourado pra dentro da goela. O baque que a bebida fez ao bater no fundo do meu estômago foi quase sonoro, e me segurei muito pra não vomitar. Depois de alguns segundos não deu outra, tinha que dar porrada em alguém pra aliviar a dor (não é bem uma dor, se você bebe você sabe bem do que eu tô falando) e como eu não tava nem um pouco afim de arranjar briga com os caras de lá e eu não queria bater no meu amigo (que provavelmente revidaria) eu dei uma porrada na primeira coisa que eu vi na minha frente, no caso um extintor de incêndio. Não precisa ser muito esperto pra saber quem se deu mal nessa, mas o mais importante é que eu não senti nada e fiquei lá curtindo o efeito do álcool pré ingerido quando meu amigo disse “Cacete Boi, olha a sua mão!”, e não é que ela estava cheia de sangue!
Fui correndo ao banheiro e não deixei meu amigo ir junto comigo, pois ele tinha que vigiar a namorada dele e nosso outro amigo que era magrinho e estourado.
Chegando ao banheiro me deparo com uma puta fila, que merda! Eu não tava afim de ficar plantado numa fila de banheiro, eu nem sequer queria mijar. Um segurança viu minha mão e me chamou pra um canto. Eu disse que estava tudo bem, mas o cara insistiu em me levar pra fora pra lavar a mão. Eu já estava pensando que das duas uma: ou eles iam me jogar pra fora por eu ter brigado (eu ainda expliquei pra eles que eu havia batido num extintor de incêndio...), ou eles iam me encher de porrada. Nenhuma das duas, o cara foi gente fina pra caramba, lavou meu machucado e me encaminhou pra enfermaria.
Chegando lá tinha um monte de gente bêbada vomitando em tudo quanto era lugar e me pediram para me sentar em cima da maca para ser atendido. Sentei e a droga da maca desmontou, e lá fui eu pro chão do lugar. O lance que eu achei tudo aquilo muito engraçado e fiquei lá dando risada da minha cara e nem me dei ao trabalho de me levantar, mas a enfermeira sim; ela me ajudou a levantar e arrumou a maca de novo pra que eu pudesse sentar. Ela também achou engraçado, na verdade todo mundo que não estava desmaiado achou engraçado. Ela limpou meu machucado e quando ela me perguntou onde eu havia conseguido eu disse que tinha arrebentado a cara de um safado qualquer, pelo menos ela acreditou, se eu tivesse falado do extintor de incêndio ela não ia acreditar mesmo.
Certas palavras me dão arrepios, barata é uma delas, agulha é outra.
- A gente vai ter que dar uns pontos nesse machucado.
- Pontos? Meu Deus! Com agulhas?
- Com o que mais eu poderia dar?
- Cacete!
Como a bebida já estava fazendo efeito preferi não discutir. Eu abaixei a cabeça depois que vi a agulha da anestesia e quando ela aplicou tudo o que eu fiz foi gritar “Ai!”.
- Nossa! Um homem desse tamanho gritando por causa duma agulha dessas!
Depois disso eu não senti mais a minha mão. Era engraçado, ela fazendo os pontos (levei três), eu sentido a agulha entrando na pele e mesmo assim não sentindo dor alguma.
Agradeci a ela e sai da enfermaria com o nível de álcool altíssimo no sangue. Agora a bebida tinha feito efeito.
Andei alguns metros e vi meus amigo ali por perto, e antes de chegar até eles agarrei a primeira mulher que passou na minha frente, era bonita. Ficamos.
Depois dela apareceu mais uma, não que ela fosse bonita, mas pelo menos era mulher.
Depois disso eu não lembro de mais nada...
(Agora vem a parte engraçada.)
Acordei com o meu amigo me chamando.
- Boi!
- Que é Beavis? Me deixa dormir caralho.
- A gente tá na frente da sua casa.
Abri os olhos. Não é que estávamos mesmo!
- Cadê a Amanda?
- Deixei ela em casa.
- Cadê o Gustavo?
- Tá babando aí do seu lado.
E não é que estava mesmo!
Saí do carro. Meu amigo também, o outro continuou dormindo.
Quando cheguei no portão e coloquei a mão no bolso descobri que a chave não estava onde deveria estar.
- Peraí que eu pego pra você – disse meu amigo. Um grande cavalheiro se me perguntarem.
O safado entrou no carro e dormiu.
O outro que estava dormindo no banco de trás acordou. Saiu do carro e veio me perguntar o que estávamos fazendo lá parados, eu expliquei a situação.
Então tive a grande idéia de querer pular o muro, pedi pro meu amigo ajudar.
Ele fez o famoso “pézinho” e lá fui eu dar uma de homem-macaco. A equação que se seguiu é bem fácil: pouca habilidade + grande maça corporal = chão na certa; e lá fui eu dar de cara com a calçada, e com isso eu abri um rasgo na sobrancelha.
Meu amigo se limitou a dar risada da minha situação, um outro grande cavalheiro se me perguntarem.
Como estava me sentindo ridiculamente patético e terrivelmente bêbado preferi, como já fizera na enfermaria, ficar pelo chão mesmo e dar risadas.
Depois de um tempo, do nada, um gatinho branco apareceu e começou a se enroscar na minha perna, fiquei um tempão brincando com ele na calçada, e meu amigo também.
Foi mais ou menos nessa hora que o cara que estava dormindo bêbado dentro do carro despertou, e por pura mágica, achou minha chave.
Nos despedimos e fui pra cama dormir um pouco.
(Depois de muitas horas.)
Acordei só de cueca na cama e com as minhas roupas todas jogadas pelo quarto, na verdade acordei porque estava com uma puta dor na mão, e quando abri os olhos me lembrei do que havia acontecido, bem, na verdade havia uma grande lacuna na noite, por isso liguei pra um dos caras.
- E aê cara, tá vivo?
- Acho que sim, apesar de estar tudo doendo. O que aconteceu depois que eu saí da enfermaria?
- Pô cara, a Amanda disse que viu você com várias minas depois disso, bebeu mais um pouco e ficava mijando em todas as colunas do lugar, mijou até no carro que estava do lado do meu lá no estacionamento. Depois entrou no carro e apagou.
Mesmo bêbado eu não perco a postura, continuo um cavalheiro. As pessoas que me viram mijando devem ter achado a mesma coisa.
- E as minas eram bonitas pelo menos?
- Não cara, a maioria não era.
- Valeu cara, te ligo mais tarde.
Depois de um banho fui me juntar ao meu pai na cozinha, ele nunca viu os pontos, nem percebeu o rasgo na minha testa.
- A nossa cachorra matou um gato hoje de manhã.
- Sério? – fiquei chocado. – E como que ele era?
- Branco. Parecia um filhote.
Merda! Por culpa minha. Ou o gatinho gostou muito de mim e quis pular na minha casa pra brincar depois e acabou encontrando a morte na boca da minha cachorra, ou eu bêbado coloquei ele no bolso da calça pra brincar depois e minha cachorra puxou o bichano e eu nem vi. Preferi não pensar muito no assunto, fiquei mais mal por causa do gatinho do que pela ressaca. Sonho com o gatinho branco até hoje.
Bem, fora essa cicatriz que eu ganhei nesse dia e o corte no dedão embaixo da unha da mão esquerda, tudo estaria perfeito. O corte eu ganhei depois de enfiar a mão na boca de um amigo semi-bêbado atrás de um pedaço de pizza que por direito era meu, mas isso é outra história.

DA SÉRIE UMA NOITE NUM PUTEIRO DE VINTE REAIS

Mais uma noite perdida para a bebida, não que isso seja ruim de qualquer jeito.
Voltamos pra casa a pé seguindo a linha do metrô como sempre fazíamos, até chegar em casa são umas seis estação e sendo umas onze horas, ainda se viam alguns bares abertos. Decidimos pagar pedágio em cada um deles, com pinga.
Lá pela quarta estação já estamos felizes e sorridentes.
Depois de tomar mais uma (só eu dessa vez, meu amigo já desistiu) na próxima estação decidimos ir ao bingo, fazemos isso frequentemente, eu, particularmente, nunca ganhei um centavo com isso.
O nosso maior problema com bingos era que sempre íamos quando estávamos bêbados, e isso é uma merda se você quer ganhar alguma coisa. Os números a sua frente simplesmente se multiplicam.
Desistimos depois de duas ou três partidas e decidimos seguir caminho.
Um amigo nosso passa de ônibus, nos vê e desce.
- Caralho – disse ele.
- Caralho – eu disse.
- Vocês estão indo pra onde?
- Pra casa.
- Vambora então.
Existe uma avenida onde só existem travestis e putas ali perto, decidimos desviar do nosso caminho e ir pra lá. É a boa (?) e velha (!) Avenida Indianópolis.
Logo no começo tinha uma barraca que vendia bebidas e paramos lá pra conversar um pouco.
Dessa vez nós três pedimos maria-mole.
Conversa vai, conversa vem, eu e o cara que estava comigo desde o começo já começamos a ficar realmente bêbados, quando dois travestis pararam ao lado da barraca e começaram a fumar maconha.
Por que não?
- Opa, posso dar uns dois aí?
- Claro, gracinha.
Fumamos os cinco e foi o pior baseado que eu fumei, muito ruim mesmo, parecia que tinha estourado meu pulmão. Depois mais pra frente todos nós concordamos com isso.
Pra não dizer que eu sou ingrato, pago uma maria-mole pra dupla de travecos e saímos dali.
Quando passamos perto da casa do cara que chegou depois ele foi embora.
- Bicha! – nós gritamos quando ele descia a rua.
Bem, éramos ainda nós dois, eu e o cara que estava comigo desde o começo.
Chegamos à última estação, mas ainda era um bom caminho até em casa, o metrô é que tinha acabado.
Já estávamos muito loucos e não tinha nada melhor pra fazer mesmo. Fomos num puteiro.
Era uma e meia da manhã quando chegamos.
A casa sendo meio nova, estava meio vazia, fazia sentido.
Eu não agüentava ficar em pé, por isso fui me sentar em cima duma mesa de bilhar que tinha lá nos fundos. Depois de um tempo falei pro meu amigo:
- Cara, vai lá e me escolhe uma que você achar melhorzinha e vamos acabar logo com isso.
Eu apaguei.
Depois de um tempo, meu amigo voltou com duas garotas, uma pra mim e a outra pra ele.
Eu não estava em condições de ver se ela era bonita ou feia, e também não me importava muito.
Depois de nem cinco minutos de conversa fomos os dois para os respectivos quartos, que diga-se de passagem, era um do lado do outro.
- Só um minuto gatinho que eu vou lá pegar minhas coisas.
Que mania mais feia ficar chamando os outros de gatinho.
A outra que estava com meu amigo também saiu do quarto.
- Aê, seu merda – gritei.
- Aê, pinto frouxo – ele respondeu.
Enquanto esperava percebi que aquilo ali já fora antes um quarto só, e que só havia divisórias de madeira nos separando, e as divisórias não chegavam até o teto.
Em pouco tempo as duas voltaram e começamos a fazer o que pagamos pra fazer.
Não haviam mais palavras nos quartos, só gemidos.
Eu tava indo bem quando do quarto do meu amigo vieram algumas risadas.
- Você tem alguma camisinha aí com você? – perguntou a puta do meu amigo pra minha puta.
- Putz, nem tenho.
- Droga, vou ter que ir lá pegar mais uma então.
A porta se abriu e logo se fechou.
- Tá tudo bem aí, cara? – perguntei.
- Tranqüilo, continua aí.
Eu continuei.
Depois de alguns instantes eu ouço:
- Aê, bunda branca, tá indo bem.
Olhei pra trás e vi meu amigo pendurado na divisória me olhando.
- Tá gostando cara?
- Preferia que fosse comigo, mas você tá indo bem. Posso entrar aí junto?
- Nem fodendo!
Ficamos ainda falando merda até a puta dele voltar, eu não tinha nem tirado o pau daquela buceta enquanto conversávamos.
Acabou tudo bem, os dois gozaram e logo estávamos do lado de fora, na rua.
- E aí, como foi – ele começou.
- Foi do caralho, muito bom. E a sua?
- Nossa, maravilhosa.
- Estranho – notei depois de alguns passos - o céu tá meio claro, né?. Que horas são?
- Caralho cara! Já são quase cinco da manhã!
- O quê? Não pode ser.
Olhei no meu celular.
- Puta que pariu! Era uma e meia quando entramos. Pagamos por meia hora... Onde, caralhos, enfiamos as horas restantes?
- Não me pergunte cara, acho que foi na bunda daquelas putas...
Até hoje achamos que entramos em algum tipo de portal naquela noite, as horas perdidas não faziam sentido e nunca mais voltaram, igual a todas as outras horas perdidas, mas nesse caso foi diferente.
- Ainda bem que estamos perto de casa.
- Só.

DESTILADOS

O cara mais idiota do mundo estava sentado pensando em quão idiota ele era, mas não chegou a conclusão alguma, mas mesmo assim resolveu tentar.
Tudo o que havia feito era estudar e estudar, queria ser médico, afinal seu pai também era médico.
Entrou no primeiro bar e pediu uma dose de whisky, era isso o que Clint Eastwood bebia naquele filme com o Morgan Freeman, aquele de faroeste. Isso, esse mesmo.
Virou o copo sem pensar duas vezes, mas deveria ter pensado, porque depois foi correndo vomitar no banheiro.
Ele achou que assim pareceria um cara durão, mas descobriu que não era, pois além de não estar no velho-oeste, não andava a cavalo e nem tinha uma arma na cintura.
Voltou, se endireitou, olhou em volta, ouviu algumas risadas, mas não se importou. Só não entendia o porquê do Clint Eastwood não fazer careta quando bebia, parecia que até gostava.
Tentou de novo, mas agora pediu rum, era isso o que o Johnny Depp bebia naquele filme com o Legolas, aquele de piratas. Isso, esse mesmo.
Virou o copo, mas pensou duas vezes, o que no final das contas descobriu que não fazia a menor diferença, foi correndo ao banheiro.
Ele pensou que assim pareceria durão, mas descobriu que não, pois além de não estar num barco, ele continuava sem uma arma na cintura (mas agora pensava numa arma daquelas antigas). Será que um papagaio resolveria a questão? Decidiu que não.
Voltou ao balcão e pensou no que estaria fazendo de errado. Será que estava se baseando nos filmes errados? Decidiu tentar algo mais brasileiro. Pediu uma dose de pinga.
O garçom olhou feio enquanto enchia o copo, era ele quem provavelmente limparia o banheiro.
Antes de virar o copo ele sabia que, pelo menos, não fazia diferença nenhuma se ele pensava ou não na coisa. Preferiu não pensar em nada.
Virou o copo.
Mas dessa vez ele se concentrou em não sair do lugar, em não vomitar em cima do balcão. Ficou vermelho, lágrimas corriam do seu rosto e seus pêlos se eriçaram.
Era pior do que as outras, mas pelo menos essa ele conseguiu segurar dentro do estômago.
Esperou um pouco para ver o que acontecia.
...
Nada. Nada? Não pode ser! “Mais uma, por favor”.
Mais uma e lá foi ele virar o copo de novo.
Estranho, agora ele estava se sentindo quase durão. Decidiu pedir mais uma.
Virou o terceiro copo. Então era isso o que acontecia? Ele estava gostando, e pensou por que demorou tanto pra fazer isso. Checou a cintura para ver se havia alguma arma lá. Claro que não.
A quarta desceu macia...
Mas na quinta ele caiu do banquinho.
E na sexta desmaiou.
Morreu feliz por ter tentado.

DIÁLOGO

- Deus?
- É, Deus.
- Nunca ouvi falar.
- É quem criou eu e você, criou o céu e a terra e todas as coisas que existem nela.
- Interessante, mas nunca ouvi falar. O que mais ele fez?
- Bem, pra começar ele fez o céu e a terra eu e você e tudo o que tem nela...
- Isso você já falou.
- Em seis dias.
- Poxa! E eu que demorei nove meses pra nascer.
- E ele também tudo sabe, tudo vê e está em todos os lugares e momentos de nossas vidas.
- Então cadê ele?
- Você não pode vê-lo, mas ele está aqui sim.
- Pra mim isso não parece grande coisa. Se bem que muitos de meus amigos têm o hábito de falar sozinhos. Estariam eles falando com Deus?
- Não, eles bebem demais e são loucos.
- E vocês não?
- Não.
- Não e...
- Não e ponto final.
- Sei... Então, de onde você falou que era mesmo?
- Da igreja, e minha missão na Terra é ajudar os outros a seguirem o caminho de Deus e Jesus Cristo.
- E quem é esse outro?
- É o filho de Deus. Nós o matamos e...
- Eu nunca matei ninguém!
- Ele veio pra Terra para perdoar nossos pecados, mas acabou morrendo na cruz.
- Credo. Mas peraí, se o pai dele sabe de tudo e pode tudo, por que ele deixou isso acontecer com o filho dele?
- Ele é Deus, ele pode tudo. Não devemos questioná-lo. Ele escreve certo por linhas tortas.
- Pra mim isso é estupidez. Ele me parece um tanto quanto sádico. Quer um gole? Está frio pra burro e é ótimo para se aquecer.
- Não bebo, isso é errado.
- É?
- É sim, e se você não quiser queimar no inferno é melhor me seguir e ir direto pra igreja.
- De inferno eu já ouvi falar, é um lugar ruim, mas duvido que seja pior do que esse pedaço de calçada. Por isso eu bebo, quando bebo eu me sinto no paraíso, esse você conhece, certo?
- É pra onde todos queremos ir.
- Então meu céu e inferno são aqui mesmo, um do lado do outro e minha única salvação é essa garrafa de pinga.
- Só Deus é a salvação!
- É mesmo? Não fiquei nada impressionado com o que você me contou dele, pra mim ele não parece grande coisa. Tudo o que eu preciso se encontra nessa garrafa, e se eu não encontrar, bem, eu compro outra.
- ...
- Que foi?
- Tô pensando.
- É só o que eu faço todo dia, além de pedir esmolas, claro.
- Me passa a garrafa?
- Mas você falou que não bebia.
- Mudei de idéia, e me dá um pouco desse cobertor que tá um puta frio aqui.
- Claro!
- E você pode pedir pro seu cachorro parar de cheirar minha bunda?

FELICIDADE MATA

A coisa toda só havia piorado.
Desde a última vez em que a vira, tudo só piorou.
Tem comido pouco, dormido mal, o olhar agora é vago e parece meio embaçado, embaçado como vidro fosco.
E isso preocupava a todos, menos a ele. Cedo ou tarde a coisa deveria passar, afinal tudo passa, como Nelson Ned já dizia.
Mesmo assim desistiu de muitas coisas, mas sobretudo desistiu de tentar, e isso para muitos era o fim do poço, mas para ele era só o começo, sabia que a coisa sempre poderia piorar.
Mas não melhorar. Se melhorar muito, a coisa se torna perfeita, e a perfeição é algo a se buscar, mas nunca alcançar.
Como a felicidade.
Ele já conhecera muitas pessoas que se sentiam felizes, que se julgavam perfeitas, mas isso era algo que ele não queria pra ele, sabia que se as pessoas tivessem um senso crítico igual ao dele coisas ruins aconteceriam.
Como suicídio, por exemplo.
Ele sabia que se um dia se tornasse feliz, nada mais valeria a pena, a coisa não poderia ficar melhor.
Melhor não fica, mas pior, bem, acho que ficou claro que pior sempre dá pra ficar.
Por isso que seguia vagando, sem rumo nem direção, pois ele sempre achava que quem não soubesse pra onde ia, qualquer lugar serviria.
E bebia muito.
Isso lhe dava algum prazer, mas nada era perfeito, afinal não tinha a mulher de seus sonhos como uma vez tivera. Estranho, mas agora pensava que quando a tinha faltava alguma coisa, mas agora sabia que era feliz naquela época. Ficou contente de descobrir isso agora, pois isso salvou-lhe a vida, se tivesse essa consciência antes, já teria se matado.
E ficou assim durante algum tempo, até o dia...
Até o dia em que o telefone tocou.
- Alô?
- Alô, Daniel?
- Eu mesmo. Quem fala?
- Shirley, lembra de mim?
...
Ele engasgou com o coração que saltou-lhe à boca.
- Sim, sim, claro!
- Tudo bem?
- Tudo sim, e você?
- Vou bem... Nossa já faz tanto tempo, tenho tantas novidades.
- Bem, eu acho que continuo na mesma, quer dizer, ainda vivo.
- Não sei, pensei muito antes de te ligar. Sabe, eu gostaria de saber se a gente podia se ver um dia desses... colocar as coisas no lugar e, quem sabe, relembrar os velhos tempos...
- Quer saber de uma coisa?
- O quê?
- Vá se foder, sua puta!
E desligou o telefone, ele não estava preparado para o suicídio, não ainda.
Sabia que se voltasse, a coisa poderia se tornar perfeita.
Felicidade é algo traiçoeiro.
E muitas vezes leva à morte.

GANHANDO O OSCAR EM TRÊS ATOS

1
- Infelizmente o Sr. Daniel não pôde comparecer ao recebimento, mas ele nos enviou uma carta:
“Senhoras e Senhores:
Me desculpem por não comparecer ao show de vocês, mas pra mim esse prêmio não vale merda nenhuma. Eu passei o que passei não para no final receber um Oscar, e sim porque eu tinha que sobreviver e escrever era o melhor que eu sabia fazer.
Minha alma tem preço, e não será por uma droga de estatueta que só serve pra impressionar as visitas que eu vou vendê-la. Se fosse por uma garrafa de whisky eu já teria ido.”
- Eu não sei o que dizer...

2
- Eu quero agradecer a presença de todos aqui hoje. Também quero agradecer aos fãs que me ajudaram a chegar até aqui. Na verdade eu só quero agradecer aos fãs que de alguma forma me deram bebidas, e aos que não deram, bem, você ainda têm tempo.
Quero agradecer também a iniciativa de algumas pessoas que mudaram a premiação do Oscar de uma simples estatueta, que só servia pra impressionar as visitas, para uma grandiosa garrafa de whisky, e vejam!, é um whisky dezoito anos!

3
- Obrigado pela presença de todos. Eu só queria dizer que é uma honra estar aqui hoje. Quero agradecer aos meus fãs que me apoiaram durante todos esses anos e minha família que sempre me ajudou em tudo.
Para alguns isso aqui é só uma estatueta pra impressionar as visitas, mas pra mim isso é um sonho que finalmente se realizou. Agora é sério gente, cadê minha garrafa de whisky? Vocês me prometeram uma.

INDO PRO TRABALHO

08:00amAtrasado de novo, penso comigo.
A primeira coisa que eu sempre faço de manhã é tentar me lembrar do sonho que tive. Sonhei com tapetes voadores. Depois faço o que tenho que fazer e saio de casa. Pego o metrô lotado, mas com um pouco de sorte e agilidade me desvio da maior parte do pessoal e consigo um lugar – um bom lugar.
Pego meu livro e começo a ler.
Depois de algumas estações não se consegue mais entrar no vagão. Isso é terrível! Terrível! Sobretudo pra quem está em pé, mas como estou sentado, não ligo muito.
Uma senhora (muito gorda) parou diante de mim com uma sacola grande e vermelha e começou a falar algo sobre a educação das pessoas hoje em dia, que não davam seus lugares para velhos indefesos. Pensei num bocado de coisas pra falar pra velha, mas preferi deixar a oportunidade passar. Baixei o livro, levantei os olhos e disse sorrindo – um sorriso sarcástico:
- Não.
Então a moça do meu lado meio contrariada levantou-se e deixou a velha sentar.
As pessoas em volta ficaram balbuciando coisas sobre mim, mas tinha coisa mais importante a fazer. Oras! Estava lendo.
Desci após algumas estações, e já havia me esquecido do incidente com a velha, quando alguém do meu lado disse:
- Você não deveria ter feito aquilo com a velha, deveria deixá-la sentar.
Me virei e vi um cara igual a cem outros caras que pegam o metrô pela manhã. Não respondi.
- Acho pessoas como você muito sacanas.
- Muitas pessoas são sacanas hoje em dia – respondi – mas algumas deixariam a velha sentar, eu não.
E o cara começou a ficar vermelho – muito vermelho – e falar várias coisas que eu não dava a mínima. Então de saco cheio eu disse:
- Escuta cara, algumas pessoas menos civilizadas que eu, brigariam com você por causa disso.
- Por quê? Você quer brigar?
Pensei um pouco sobre a oferta e respondi:
- Foda-se! Eu não sou tão civilizado assim.
E lá estávamos nós rolamos pelo chão...
Depois dos guardas nos separarem pensei um tanto contente que pelo menos nessa eu levei a melhor.
Estava sujo, suado e amassado e decidi que não ia trabalhar (principalmente pelo nariz que ficou parecendo uma batata podre). Sai do metrô sorrindo, e o cara muito nervoso seguiu seu caminho metrô adentro.
Eu preferia brigar com esse cara todo dia a ter que ir trabalhar. Bem, se ele estiver lá amanhã eu faço a proposta.

IRMÃS GÊMEAS

Lá estava eu de novo com um copo na mão nessa grande luta contra a vida. Pelo menos o copo já meio vazio coisa que me ajudou a encarar as coisas de uma maneira muito mais interessante.
Acabei meu copo e fui até o bar enchê-lo de novo. Ôh lugarzinho mais besta esse que eu fui me meter. Vivo fazendo essa merda e vivo me desprezando depois. Mas a idéia de beber de grátis sempre me agradou.
Como eu fui lá pra beber acabei me concentrando só nisso, depois de umas cinco doses eu já não tava achando mais o lugar e as pessoas tão bestas assim, eles estavam quase simpáticos.
Eu até que estava me sentindo bem, e pensava se no final do dia (quando já estivesse na minha cama) eu poderia dizer que esse foi um dia ganho. Mais um round que eu coloquei a vida na lona e consegui um pouco mais de tempo.
Foi então que vi a morena...
Foi então que vi a morena, e impulsionado pela bebida pré-ingerida fui lá falar com ela.
Confesso que não foi nada difícil, é aquele papinho estupidamente besta que funciona quando a outra pessoa está afim. E acho que também não sou tanto de se jogar fora, eu me acho um verdadeiro lixo, mas muita gente me acha simpático (coisa de gordinho) e algumas vezes até bonito; algumas mulheres até já se apaixonaram por mim, vai saber...
Verdade seja dita, a coisa funcionou também pelo fato da morena (que não consegui guardar o nome) estar tão bêbada quanto eu.
A coisa toda começou a esquentar quando soltei o bom e velho “vamos pra um lugar mais calmo?”. “Claro” ela disse.
Tem dias que Deus sorri pra você.
- Mas espera um pouco que eu tenho que falar com a minha irmã – disse ela.
- Vai lá – concordei.
Esperei alguns minutos e quando ela voltou, fiquei surpreso pelo fato de que a irmã ser igual a ela. Poxa! Eram gêmeas! E a outra estava, pelo visto, mais bêbada que a primeira.
“Será que rola?...” pensei comigo mesmo.
- Será que rola o quê? – perguntou a morena.
Pensei alto demais.
- Olha – disse a primeira morena – minha irmã tá muito bêbada e eu não vou deixá-la sozinha aqui. Acho que ela vai ter que ir pro Motel com a gente.
- Não tem nenhum problema – eu disse com o sorriso mais malicioso da minha vida.
Ela sacou o sorriso.
- No que você tá pensando, hein? – perguntou ela.
- Nada de mais, nada de mais...
Tem dias que Deus sorri pra você e diz: Vai que é sua garoto!
Fomos ao Motel...
Fomos ao Motel e... bem, acho que não preciso escrever aqui o que aconteceu lá, porque creio eu que você, ser inteligente, já conseguiu imaginar tudo.
Hum... melhor não. É melhor eu escrever o que aconteceu mesmo, porque você deve estar imaginando a coisa toda errada, bem, nem toda.
Fomos ao Motel e as duas se jogaram na cama e começaram a tirar a roupa, e quando chegou a minha vez de se jogar na cama também a morena disse:
- Onde você pensa que vai? A gente falou que viríamos pro Motel com você, mas não necessariamente transaríamos com você.
- Mas...
- Mas nada. A gente pagou boa parte do Motel também.
- Mas... – eu não conseguia falar mais do que isso.
- Mas nada. Você pode ficar aí e olhar, e se a gente quiser você pode entrar.
Tem dias que Deus além de sorrir pra você, diz no tom mais irônico do mundo: Você pode ver, mas não tocar.
Por isso que eu deixei de acreditar nele faz tempo...
Bem, era melhor do que nada. “A gente se contenta com os restos que a vida deixa pra gente...” acho que alguém já disse isso, caso contrário a frase é minha mesmo, mas nesse caso, eu consegui roubar um pouco mais do que isso.
No geral foi muito proveitoso da minha parte ficar lá olhando aquilo tudo. É arquivo mental pra muitas e muitas punhetas que virão. É claro que elas não me chamaram pra participar, mesmo eu tendo insistido mais de uma vez.
Voltei pra casa muito mais tarde naquele mesmo dia, e antes de dormir decidi que aquele foi um bom dia.
Nunca mais nos encontramos, mesmo eu voltando lá algumas vezes depois e saindo de lá apenas com um copo de bebida barata e esperanças quebradas.
Tem dias que a coisa toda acaba dando certo, mas são muito poucos. Não se pode ganhar simplesmente todas, mas as poucas que a vida te deixa ganhar é bom que você dê valor, porque você nunca saberá quando será a próxima.

LOVE STORY SEM MUITO AMOR

Sempre fui um grande fã do Love (a casa de todas as casas) e sempre que meu dinheiro permitia eu passava por lá. Era um ótimo lugar para se conseguir mulheres, isso se você não se importar de que 98% das mulheres de lá são putas ou travecos (em menor parte) e os outros 2% são de mulheres que não fazem idéia do lugar que é o Love. Com muita, mas muita sorte mesmo, você acaba saindo com a grande minoria de mulheres do lugar que talvez ache que você é um cara legal e não apenas alguém procurando basicamente sexo, eu, por exemplo, nunca consegui isso. Mas que a verdade seja dita: Todos vão ao Love procurando por sexo, a diferença é que muitas lá cobram por isso.
O Mike Tyson foi preso lá. Até ele sabia das coisas.
Já estava sem mulher fazia um tempo e precisava de alguma coisa que fosse rápido e fácil, sem muitas complicações, e nessas situações só dois lugares me vêem à cabeça: puteiros ou Love. Alguma coisa me dizia que a segunda opção, apesar de não ser muito garantida, seria a melhor escolha.
Me encontrei com um amigo e fomos primeiro dar um pulo numa praça da conceição pra fumar. Maconha é sempre bem-vinda, não importa a ocasião.
Acho que o maior problema da maconha é que ela acaba te deixando meio lerdo, o que é péssimo para um sábado de noite numa cidade como essa. Eu só percebi que três caras vinham em nossa direção quando eles estavam quase em cima da gente. Todo o efeito passou numa velocidade superada só pela da luz. A mão já se encontrava fechada quando o primeiro deles falou:
- Opa.
- Opa.
- A gente não tá aqui pra atrasar o lado de ninguém, tá todo mundo na paz.
- Sem problema.
Os três nos cumprimentaram e se sentaram mais ao lado para cheirar sua lata cheia de cola que continham loucuras pouco conhecidas por mim. Cada um na sua, imagino.
Fomos embora quando só havia uma ponta, que decidimos deixar para mais tarde. Nos despedimos e saímos antes que o metrô fechasse.
- Esses caras saíram do chão. Nem vi eles chegando.
- Eu não duvido. Pelo menos eles foram de boa.
A primeira parada foi num boteco do centro onde bebemos e comemos um pouco, depois sem mais problemas chegamos ao Love.
Antes de entrar eu bebi na porta um copo cheio de uma tal de 61 que quase me fez vomitar. Depois com mais uma dose de conhaque eu estava pronto pra entrar.
O grande problema daquele lugar, na minha opinião, é que sempre tem caras maiores do que eu, e nesse dia foi difícil encontrar alguém que fosse menor. Maldição! Assim a concorrência fica desleal num lugar onde tudo o que importa é a grana da sua carteira e sua aparência. Quanto mais molas seu tênis tiver, melhor. Só que meu all star já estava com furos na sola.
O lance é beber pra ver se você se arrisca com as feias, ou com muita sorte alguma das bonitas bebeu tanto quanto você pra te achar um cara tão musculoso quanto os outros.
A bebida já estava começando a destruir meu estômago.
- Hey, Gu. Vamos lá fora fumar um?
- Demorou!
Aqueles lados do centro estavam complicados. Polícia pra todos os lados. Fomos em direção à Praça da República e fumamos um escondidos perto de uns orelhões. Por precaução meu amigo escondeu o que ainda tinha de maconha dentro de um vazo com uma planta.
- Aí, se não voltarmos juntos um dos dois tem que passar aqui e pegar o bagulho.
- Ok!
Voltamos pra dentro.
Mesmo depois de horas ninguém naquele lugar me achava simpático. A situação já estava se complicando.
Acho que meu amigo estava achando o mesmo, porque ele saiu fora cedo. O lance era arriscar com as feias. Depois de mais algumas doses meus problemas com a aparência alheia estaria resolvido. Com sorte as mulheres de lá fariam o mesmo e talvez eu acabasse a noite sendo bonito pra alguém, no mínimo simpático.
Meu amigo deveria ter ficado um pouco mais, porque logo depois uma loira muito gostosa subiu no palco de saia e arrancou a calcinha no meio de uma platéia de meia dúzia de caras com a boca aberta. Nossa, que gostosa! De onde eu conhecia essa loira?...
Claro que ela fazia parte das mulheres que cobravam uma boa quantia pra comê-las. Quando eu me atrevi a passar a mão nela ela me deu um chute que por pouco não pega na minha cara e ainda disse que eu faria o que quisesse com ela por R$ 200,00. Tá maluca! Ninguém ali se atreveu a chegar muito perto depois dessa, mesmo depois que ela tirou a blusa.
Um cara passou a mão na perna dela e quase levou um chute na cara também. A diferença é que na hora que ela ia chutar ele mostrou a carteira de policial o que fez ela mudar de idéia na hora certa. Ele mandou ela descer. Pela cara das pessoas em volta eu senti que se ela descesse a maioria das pessoas ali teria um bom motivo pra espancar o policial; ela percebendo a mesma coisa continuou dançando, o policial também percebeu e se mandou.
Lembrei da onde eu conhecia aquela loira! Era do melhor puteiro que eu raramente freqüentava. Vadia! Eu poderia tê-la comido por R$ 70,00 e agora ela me cobrava R$ 200,00. Pelo menos ali estava cheio de idiotas que pagariam o preço que ela pedisse. Como daquela moita não iria sair coelho decidi que era hora de encarar as muito feias do lugar.
Saí e tomei mais duas doses de conhaque.
Dei sorte logo na primeira. Além de ser muito feia ela estava muito bêbada, o que poderia me ajudar se eu quisesse me dar bem por ali.
Joguei ela no canto e parti pro tudo ou nada. Se não fosse com ela duvido que fosse com outra, o lugar já estava esvaziando.
Ela colocou a mão dentro da minha calça e eu saquei um peito dela pra fora.
- Hum... É dessa rola que eu estava precisando essa noite.
- Então achou, baby – falei com a boca meio cheia.
- Me leva pra casa?
Só se for de ônibus, pensei.
- Tem um motel aqui do lado – sugeri.
- Não, eu quero que me leve pra casa!
- Onde você mora?
- Em moema.
Do mesmo jeito que dois mais dois não são cinco, aquela mina não morava em moema.
- Eu prefiro te levar pro motel aqui do lado.
- Eu só vou te dar se for na minha casa.
Na minha casa é que não iria ser.
Depois de algum tempo eu desisti dela também. Droga! Não encontrei nenhuma foda naquele lugar.
Já que ela não iria dar pra mim o melhor era ir embora e ver se a paranga ainda continuava por lá.
Passei em frente a um estacionamento e vi a loira sem calcinha sendo acompanhada por um playboy que mal conseguia ficar em pé, provavelmente por causa da bebida. Achei engraçado. Alguém ali iria se dar mal e não seria a puta.
Claro que com o meu senso de direção ridículo eu demorei um pouco pra achar o exato lugar onde meu amigo escondeu. Na verdade depois quando eu achei o lugar vi que a paranga não estava mais lá. Com sorte meu amigo passou lá antes e pegou. Mas vejam só! O que temos aqui?! Minha nossa! É o que eu estou pensando? Era branco como eu imagino que a neve deveria ser. Coloquei um pouco na boca e constatei maravilhado que era cocaína. Coloquei no bolso e saí em direção ao metrô. Quem deixou aquilo ali deve ter um ódio mortal por mim. Azar o dele, eu acho ele máximo.
Dois dias depois ainda me falaram que aquilo ali era farinha da boa e que tinha mais de R$ 100,00 ali em coca. Coca da boa. Minha noite não foi de toda perdida. Mas a de alguém foi.

MÉDICOS MORREM?

Eu tive um amigo uma vez, que dizia que médicos eram as piores pessoas do mundo, que ninguém devia confiar neles. Esses eram seus motivos: para se tornar um médico a pessoa tem que ser rica, porque ela tem que estudar em tempo integral, sendo assim ela não poderia trabalhar e estudar ao mesmo tempo. Se ela é rica, por que infernos ela quer se matar de estudar? E ainda mais pra ter que ver um monte de sangue e gente morrendo. E quando finalmente se formar, trabalhar tanto que não terá tempo de ver sua família. Ou seja, pra ser médico tem que ser muito burro.
Filho da puta ingrato.
Eu aqui salvando pessoas e dando meu suor e sangue por elas e ainda tenho que ouvir isso.
Ele também não entendia por que os médicos morriam...
Que seja. Hoje sou médico formado, tenho meu consultório, uma ex-mulher que me cobra os olhos da cara de pensão e dois filhos que são as coisas mais lindas do mundo.
Hoje é segunda-feira e de manhã fui ao dentista.
Meu dentista usa aparelho. Como pode um dentista usar aparelhos nos dentes? Não me pergunte, pergunte a ele.
No final de semana fui cortar o cabelo. Meu cabeleireiro é careca.Como pode um cabeleireiro ser careca?Também não sei, pergunte a ele. E isso me faz lembrar que amanhã tenho que ir ao oftalmologista, e sim, ele usa óculos. Acho que se tivesse que ir ao fonoaudiólogo ele seria fanho. Se eu fosse ao urologista, aposto que ele seria eunuco.
Acendo um cigarro.
As segundas-feiras são muito paradas, por isso que depois do quinto cigarro decido que já é hora do almoço.Vou ao restaurante de sempre. A moça que atende tem uma bunda maravilhosa. Sempre fico olhando pra ela, ela nunca olha pra mim.
Na saída vejo um mendigo pedindo esmolas na calçada. Confesso que nunca vi um mendigo tão gordo na minha vida. Eu que como bem não estou desse jeito, por isso penso que é melhor não dar nada e ajudá-lo com uma dieta.
Ele sorri quando eu passo.
Isso me faz lembrar de um cliente que é rico, o safado toda vez que vai ao meu consultório está com um carro diferente (não sei por que esse cara me escolheu, acho que ele foi com a minha cara, eu nem sou tão bom assim), a verdade é que ele está sempre estressado e reclamando de alguma coisa. Nunca o vi sorrir. Acho que esse é o preço que ele paga por ter todos aqueles carrões.
Eu queria pagar esse preço e ter que carregar o fardo de ter uns cinco carrões.Será mesmo? Não, acho que não.
Depois do todas as consultas do dia, atravesso a rua e vou ao consultório de um amigo meu. Nos vemos quase todos os dias, jogamos cartas de vez em quando.Antes de apertar o botão do interfone acendo um cigarro. Tenho más notícias pra ele.
Aperto o botão.
- Quem é?
- Eu.
- Pode entrar.
Eu entro. O consultório dele é mais bonito que o meu. Se bem que ele se divorciou bem depois de mim. Dá pra notar que tem um toque feminino por aqui.
Entro na sala, sento na cadeira de frente pra ele e olho firme nos seus olhos. Ele está com um olhar estranho.
Ele tem uma garrafa de whisky aberta em cima da mesa.
- Tenho más notícias pra você amigo – ele começa.
- Opa! Como assim? – eu pergunto.
- Lembra daqueles exames que você fez comigo semana passada? Bem, você tem câncer de pulmão.
- Puta que pariu!
Acendo um cigarro.
Agora é minha vez.
– Lembra dos exames que você fez na semana passada comigo? Bem, você tem cirrose hepática.
- Puta que pariu! – ele diz.
Ele dá uma golada no whisky.- Essa noite vai ser longa – ele diz depois de um tempo – temos que comemorar.
- Me dá um gole dessa porra.
- E você me dá um cigarro.
Médicos que morrem, dentistas com aparelho, oftalmologistas de óculos... Onde esse mundo vai parar?Não dá pra se confiar nessas pessoas. Não dá pra se confiar num médico que morre.Acho que o filho da puta daquele meu amigo tinha razão. Médicos são uns fodidos mesmo.

NOITE BOA NO MOTEL

Eu sempre fui em motéis baratos, nada de banheira com hidromassagem, nem cama redonda, pensando bem nem espelhos no teto. Ficava com certa inveja dos meus amigos quando eles contavam histórias que continham frigobar ou teto solar. Mas sabia que um dia eu também poderia contar uma história dessas.
Conheci uma tal de Fabiana quando estava muito bêbado num canto qualquer de São Paulo. Bebemos muito, conversamos pouco e nos agarramos a noite inteira na pista. Tentei de tudo, mas naquela noite na pista não aconteceu nada, se eu tentasse mais eu poderia ser acusado de estupro. A noite acabou não sem antes de nos despedirmos meu amigo gritar do lado dela:
- Caramba, cara! Essa foi a melhorzinha dos últimos tempos!
Obrigado, meu caro amigo.
Eu achei que depois dessa ela nunca mais me ligaria, na verdade quando já estava no meio da semana eu estava agradecendo por ela não me ligar, porque eu não me lembrava da cara dela. Mas dos peitos eu lembrava.
Quinta-feira ela me ligou.
- Oi, é a Fabiana, lembra de mim?
- Claro – do nome eu me lembrava. – Tudo bem com você?
- Tudo sim, e você?
- Eu vou indo bem.
- Então, eu estava pensando se a gente poderia se ver de novo.
Meu deus, ela era bonita? Era feia? Eu não me lembrava de nada, tudo o que eu me lembrava era “Caramba, cara! Essa foi a melhorzinha dos últimos tempos!” Por via das dúvidas...
- Claro que podemos – respondi não tão prontamente. – Quando?
- Como eu trabalho só posso no fim de semana. Que tal no sábado?
- Por mim tudo bem. Você me liga?
- Ligo sim... Mas por curiosidade, você trabalha?
- Não.
...
- Tá bom, eu te ligo no sábado pra gente sair.
- Ok. Beijos.
- Beijos.
Agora não tem mais escapatória. É bom você rezar para que ela seja no mínimo gostosa.
Por sorte na sexta-feira eu recebi uma grana dos quatro dias e meio que eu trabalhei no último emprego. Boa parte eu transformei em bebidas e cigarros.
Sábado de manhã ela me ligou, mas como eu não me sentia bem eu não atendi. Depois de uma hora ela me ligou de novo.
- Nossa, demorou pra atender.
- Isso geralmente acontece quando eu estou dormindo.
- Você tava dormindo? Já são três da tarde.
- Eu acordo todo dia esse horário. Se acordo antes fico de mau-humor.
- Pelo visto nem vamos sair hoje...
- Posso te ligar quando eu acordar?
- Tá bom. Mas vê se não me liga muito tarde.
- Pode deixar. Vou voltar a dormir agora.
- Beijos.
Quase oito da noite.
- Oi, sou eu.
- Eu pensei que não fosse mais me ligar.
- É que eu tava dormindo. Agora tô me sentindo ótimo. Vamos sair?
- Claro. Pra onde você vai me levar?
Eu pensei num motel que muitos dos meus amigos já tinham ido. Era promissor, mas também era caro.
- Não sei, estou meio sem grana...
- Não tem problemas, a gente divide tudo.
Fiz as contas. Tava dentro do orçamento.
Marcamos num bar próximo ao motel em duas horas. Ela morava bem longe.
Hum... até ela chegar dava tempo de dormir mais um pouco. A noite seria longa.
Acordei atrasado. Merda! Será que ela ainda estaria lá? Preferi não ligar, ao invés mandei uma mensagem e disse que chegaria em trinta minutos. Cheguei em quarenta e cinco.
Incrível! Ela estava lá. O que essas mulheres não fazem por uma boa noite de sexo. Como já era tarde não havia tempo pra preliminares. Fui direto ao assunto.
- Então, como já está tarde é melhor descolarmos um lugar pra dormir.
- Você não quer beber um pouco antes?
- Claro.
Maldição! Ela era feia. No que meu amigo tava pensando quando disse que aquela era a melhorzinha nos últimos tempos? Provavelmente na última que ele me viu ficando. Ele tinha razão.
- Me vê uma maria-mole, por favor – pedi ao cara do bar.
- Nossa, pensei que fosse beber cerveja.
- A cerveja não me fez muito bem ontem.
Quanto mais bêbado melhor. Quanto mais bêbado melhor.
- Olha – disse o cara do bar – a gente já está fechando. Se quiser mais alguma coisa é melhor pedir agora.
- Me vê mais uma, por favor.
Do lado de fora do bar.
- Pra onde a gente vai agora? – ela perguntou.
- Pro outro lado da rua.
- No motel?
- É.
- Safado. Vamos então.
O quarto era realmente caro.
Então foi por aqui que todos eles já passaram? Nada mal, nada mal... Tv a cabo com filmes pornôs, espelhos no teto, e o melhor de tudo: hidromassagem com teto solar. Isso que é vida! O quarto seria a melhor coisa que me aconteceria na noite. Mas eu precisava beber mais, muito mais. Aquela não seria uma noite fácil.
Abri o frigobar. Só coisa boa. Ataquei o whisky.
- Mas depois a conta vai ficar muito cara – ela disse.
- Relaxa. É só colocar urina nas garrafinhas de whisky e água nas de vodca. Meus amigos sempre fazem isso.
Quanto mais bêbado melhor. Quanto mais bêbado melhor.
- Já que você diz.
- Na verdade eu não tive tempo de tomar banho em casa. Vou tomar um banho rapidinho e já volto. Não gosto de fazer essas coisas fedido.
- Quer que eu vá com você?
- Não precisa baby. Vá se aprontando que eu já volto.
Corri pro banheiro, mas não sem antes colocar umas quatro garrafinhas de bebidas no meu bolso da calça. Ela nunca entenderia que eu precisava ficar sozinho naquela banheira com teto solar que eu sempre sonhei.
Abri as torneiras, tirei a roupa, acendi um cigarro e abri o teto solar. Era como eu imaginava, era bom mesmo não sendo porra nenhuma. Bebi as quatro garrafinhas numa seqüência que nem eu acreditei. O cigarro estava quase no fim.
- Você tá bem aí dentro?
- Claro, já estou saindo.
Bebi o restinho que tinha sobrado numa das garrafinhas, respirei fundo pra não vomitar e saí.
Quanto mais bêbado melhor. Quanto mais bêbado melhor.
Ela estava pelada na cama, até que não era tão ruim assim. A bebida estava realmente ajudando.
Deitei na cama e fizemos o que estávamos lá pra fazer. Não muito, na verdade. Depois de dez minutos comecei a achar que tinha bebido demais e talvez não conseguisse, não naquela noite.
- Vamos, benzinho, você consegue.
- Eu estou tentando.
- Tá indo bem, não pára.
- Droga!
- O que foi?
- Preciso ir ao banheiro.
Vomitei. Lavei o rosto e depois voltei.
- Tá se sentindo bem?
- Agora estou melhor.
Agora sim. Agora estava indo bem.
Fomos até o fim. Foi bom, mas sabia que poderia esquecer qualquer outra tentativa naquela noite. Dormi enquanto ela foi ao banheiro tomar banho.
Quando ela voltou ficamos ainda um pouco deitados juntos, mas quando eu percebi que ela estava dormindo eu me levantei e fui pra banheira de novo com duas latas de cerveja que eu tinha trazido de casa e colocado pra gelar no frigobar.
Fiquei lá deitado durante um tempo olhando pro céu e fumando alguns cigarros. Depois de um tempo ela levantou e bateu na porta.
- Você tá bem aí?
Não respondi. Acendi um cigarro.
Consegui ouvir ela se trocando e depois gritar “tchau, seu imbecil” antes de bater a porta.
Mas que droga. Aquela noite era minha, não dela. Estava em paz e não queria dividir aquilo com ninguém. A noite estava linda.
Depois de um tempo pensei “droga, eu não tenho mais dinheiro”, mas logo em seguida eu me lembrei “tudo bem, cara, é só encher as de whisky com mijo e as de vodca com água”. Então estava tudo bem.

O FUNDO DO POÇO

Beber pra mim foi sempre uma saída, a solução para todos os meus problemas. A solução para os problemas de todo mundo. Mas o maior problema é que para alguns problemas nem doses cavalares de cachaça ajudam, daí você tem que passar para a próxima fase de autodestruição. É o que chamo de visualização do fundo do poço. Eu já passei por isso. Só não digo que estive no fundo do poço porque isso é algo muito relativo. Não existe o tal fundo do poço pelo simples motivo que você sempre pode piorar a sua situação, não há nada que você sinta ou passe que não possa ser piorado. A questão é você saber se quer sair do poço ou simplesmente ir mais fundo. E essa é uma questão complicada.
Não sei o que se passa comigo, se eu faço isso por desespero ou por curiosidade, mas chegar perto do fundo do poço foi sempre algo que eu busquei, sendo consciente ou inconscientemente. Um tipo de prova que eu tenho que passar. Mas muito mais difícil do que chegar ao fundo do poço é conseguir sair de lá. E quando se está no fundo se está sozinho, ninguém além de você vai poder te ajudar. Não existe purgatório pior do que esse. A salvação se encontra muito longe, muitas vezes a luz no começo do poço nem pode mais ser vista, e se você não consegue ver uma saída no escuro será muito mais difícil. Algumas pessoas realmente descem fundo no poço. E quando não há luz de esperança só há escuridão cheia de desespero, e se desesperar na escuridão do poço é o pior que alguém pode fazer. Muitas vezes esse é um caminho sem volta.
Quando me sinto mal eu não procuro uma coisa que me ajude. Quero sentir em mim o pior do mundo. Quero cada vez mais; mais e pior. Quero saber até quão fundo posso ir.
Por algum motivo eu sei que quem visitou o fundo do poço e conseguiu sair de lá (nunca ileso, porque você nunca volta do mesmo jeito que foi) ele será a pessoa mais realizada do mundo. Você conheceu o inferno e conseguiu voltar para contar sua história. Talvez a saída esteja no fundo do poço. Quem sabe?
Que a vida dê a pior parte dela pra você, que ela chute suas bolas, cuspa na sua cara, e que nem isso te derrube, que nem isso te deixe de dizer olhando pra cara ela “É só isso que você consegue, sua puta?” Claro que vai ser a hora em que ela realmente vai te espancar mais, mas sempre esteja preparado pro pior.
Mesmo que chegue o dia em que você realmente deseje morrer pra sair da merda, que nem a morte pode ser pior do que isso (e realmente duvido que possa), lembre-se de que você será um dos poucos que lutou com a vida todos os malditos rounds e que chegou ao final ainda de pé, enganando a morte todos os dias, mas nunca fugindo dela; lembre-se que ainda o paraíso te espera. Bem, eu acho que espera. E que toda sua espera não seja em vão, que um mundo de maravilhas te aguarde, mas se ao final de toda essa merda que você passou você descobrir que não existe recompensa, apenas pense que o pior de tudo você já passou, que tem mais marcas e cicatrizes que qualquer babaca com dois carros na garagem e um apartamento na praia. Sim, o pior de tudo já passou e tudo o que você pode fazer é comemorar sentado com uma garrafa de cerveja na mão e relaxar. É o que separa os garotos dos homens: uma vida vivida por nada ou uma vida arriscando tudo.

SE AO MENOS EU GOSTASSE DE FUTEBOL

Hoje é Domingo. Dia de futebol. Como eu sei disso? Oras, é só escutar as pessoas lá fora gritando e soltando fogos. Isso me faz lembrar que é provável que meu pai esteja lá embaixo assistindo ao jogo. Abro a porta do meu quarto e sim, ele está assistindo ao jogo.
Droga! Assim a televisão fica ocupada. Se bem que dá no mesmo. Tv no Domingo é uma merda, por isso, talvez, que eles passem os jogos de Domingo. Dá as pessoas algo que comentar na segunda-feira no trabalho.
Pra mim que não estou trabalhando dá no mesmo, se bem que eu odiava as pessoas se divertindo com os outros por causa do time que tinha perdido, ou algo assim.
As pessoas se tornam estranhas quando o assunto é futebol, é incrível! Você sabe exatamente o que eu estou falando, pois é provável que você seja uma delas.
A maioria das pessoas que eu não conheço, mas querem puxar assunto, já chegam falando sobre o jogo de Domingo de determinado time. Pra mim isso é tudo muito chato, me limito a sorrir - mas um sorriso meio nervoso - de quem não sabe muita coisa sobre o assunto. E quando elas me perguntam pra que time eu torço eu falo “Nenhum”. A cara que eles fazem é patética. Não conseguem entender que futebol não é comigo. E quando insistem eu falo “Tá bom, eu torço pro Mandioquinha Futebol Clube”. Eles não entendem nada.
Hoje o dia tá foda. Nada pra fazer e um puta frio lá fora. Estou começando a desistir da internet e tudo que me resta é meu quarto com alguns livros amontoados, e estou sem saco pra livros hoje. Domingo: Dia do Eterno Tédio.
Domingos são perigosos, mas tem tanta gente lá fora se divertindo e eu aqui sentado sozinho, mas eu acho que é só por causa do futebol. Maldito futebol!
Depois de meia hora olhando pra tela do micro me dou por vencido e vou lá embaixo assistir a droga do jogo.
O jogo é entre o time de preto e branco e o time listrado de branco, preto e vermelho. Eu costumava torcer pro time listrado, mas isso foi há mais de dez anos. O time listrado está ganhando, mas não consigo me sentir feliz com isso.
Meu pai me alcança uma cerveja. Não que meu pai goste de futebol (nem é o time dele jogando, ele torce pra um time que joga todo de branco e vem do litoral), ele não gosta de não gostar de futebol, isso sim seria horrível pra ele, ainda mais nessa idade.
O time listrado faz mais um gol. Não sei o que fazer, mas meu pai parece gostar daquilo.
Minha mãe aparece dizendo que vai à igreja. Ela parece feliz. Penso comigo mesmo “se ao menos eu gostasse da igreja?”, ou melhor, “por que deus não vai com a minha cara?” Droga, não sei a resposta, mas entre ir pra igreja e ficar aqui sentado assistindo um jogo totalmente idiota e sem sentido pra mim eu prefiro ficar em casa, até porque eles não dão cerveja nas igrejas, e tá um puta frio lá fora. Interessante, se eles dessem cervejas em igrejas acho que eu até iria, mas...
A minha pouca atenção no jogo é desviada pela pequena discussão que surge entre meus pais. Minha mãe quer que meu pai a acompanhe à igreja e diz que se vendessem cervejas na igreja eles e os amigos dele de boteco iriam lá.
Hahahahahaha! Um pouco de humor não faz mal a ninguém.
- Tá rindo do que Daniel?
- Nada mãe, nada.
- E você? Por que não vem comigo pra...
Ela viu a cara que eu fiz e foi embora. Ela sabe que eu não sou fã de igrejas, nem de futebol.
O jogo acaba e o time listrado vence.
?
Então era só isso? Mas que bela merda.
Meu pai está contente e abre mais uma cerveja. Espero pra ver o que ele vai fazer em seguida. Ele deixa no mesmo canal e anuncia que vai assistir ao Domingão do Faustão. Isso eu não consigo agüentar.
Subo pro meu quarto, pois decidi que seria bom escrever o que me aconteceu hoje. Na escada eu paro e vejo a cara de satisfação do meu pai e lembro na cara de satisfação da minha mãe. Droga, se ao menos eu gostasse de futebol...

SALVANDO O PEDRÃO DA PERDIÇÃO

Estávamos eu e um amigo no bar de costume enchendo a cara, quando decidimos, como sempre, voltar pra casa andando.
Não sei ao certo quantas bebemos, mas foram muitas.
Estávamos perto do metrô Saúde falando sobre São Pedro, quando um cara dentro de uma agência bancária começou a gritar: “Me ajudem, por favor!”
Mas que porra é essa, pensamos.
- Seguinte, - disse o cara – eu vim aqui sacar dinheiro e a porta não quer mais abrir. Já estou aqui há quase uma hora.
Era uma sexta-feira.
E estávamos bêbados.
- Caramba Boi – disse meu amigo – a gente tem que ajudar esse cara, senão ele vai ficar aí preso até segunda-feira sem água e nem comida.
Eu fiz uma idéia mental do cara preso o final de semana inteiro lá dentro. Na minha cabeça eles encontrariam apenas os ossos dele, igual aos desenhos. Dei risada.
Meu amigo também. Acho que ele pensou a mesma coisa.
- E como a gente tira você dessa?
- Olha, eu vou confiar em vocês e vou passar meu cartão do banco por baixo da porta, daí vocês tentam passar ele aí no lugar indicado pra ver se essa coisa abre.
Ele nos passou o cartão. O nome dele era muito estranho, principalmente para pessoas bêbadas.
Pensamos muito se corríamos ou não com o cartão dele, mas não estávamos em condições de correr.
Decidimos apelidá-lo de “São Pedro”, ou “Pedrão” para os mais íntimos.
Tentamos passar o cartão e nada. De novo, e nada.
Já nos ocorria a idéia de que aquilo tudo fosse uma pegadinha. Se alguém nos viu na televisão, por favor me avise.
Depois de um tempo, e o cara estava realmente com cara de preocupado, resolvemos ligar para a polícia. Lá vou eu todo bêbado ligar pra polícia pra falar sobre um tal de “Pedrão” que ficaria preso o fim de semana inteiro caso as autoridades não fizessem alguma coisa. Ainda bem que eles não deram muita bola pra mim, ainda bem mesmo...
Quando vimos que policial nenhum apareceria, resolvemos apelar. Começamos a chutar a porta.
Não deu certo, mas depois de um tempo o alarme disparou. Bem, pelo menos assim alguém apareceria.
Mas ninguém apareceu. Só podia ser pegadinha...
O tal de Pedrão era um cara realmente gente fina, conversamos muito enquanto ele esteve em cativeiro. A conversa tava tão boa que eu resolvi me apoiar na porta com o corpo.
Foi então que...
Foi então que, como num passe de mágica, ao me encostar na porta a mesma se abriu.
Aquilo tudo foi muito estranho, foi mesmo. Olhamos prum lado, olhamos pro outro e meu amigo disse:
- É melhor dar o fora daqui antes que alguém apareça.
- Demorou. Vambora.
Mal vimos o Pedrão saindo dali. Nunca mais o vimos.
Bebemos um pouco mais e ficamos falando como salvamos o Pedrão da Perdição, na verdade, isso foi assunto pra madrugada toda.
Fomos ao bingo que fica próximo à estação São Judas. É sempre assim.
Meu amigo era novato, mas como os novatos são muito engraçados no bingo, não expliquei nada pra ele de como a coisa toda funciona a não ser que as cartelas custavam R$ 1,00.
Uma mulher começou a cantar as bolinhas.
Mesmo sabendo que isso iria acontecer eu achei o maior barato.
- Número 18.
- Essa eu tenho – disse meu amigo.
- 27.
- Essa eu tenho – de novo.
- 87.
- Essa eu tenho – e de novo.
- 21.
- Essa eu tenho. – disse meu amigo pela milésima vez - Cara, a gente vai ganhar essa porra. Eu tenho todas até agora.
É claro que tinha. As pessoas só jogaram aquele bingo com as avós onde você colocava um feijãozinho em cima do número. Esse era um pouco diferente. Mas o melhor ainda estava por vir.
- Linha! – Alguém gritou do outro lado do salão.
- Que lance é esse de linha? – perguntou meu amigo.
- Quando você fecha uma linha, você ganha a primeira premiação.
- Nossa, eu não sabia...
Mais números.
Expectativa.
- Linha! Eu fiz linha! – gritou todo feliz meu amigo.
O salão todo vaiou o coitado. Eu quase morri de tanto dar risada. É sempre bom ir com uns novatos ao bingo. Todo mundo fez isso da primeira vez, eu também fiz.
- Cara, - comecei a explicar – só vale a primeira vez.
- Droga.
Passado mais um tempo...
- 18.
- Nossa cara, - começou de novo meu amigo – agora sim a gente vai ganhar. A mulher falou 18 e esse número já estava marcado na minha cartela.
Por que será?...
Claro que não ganhamos nada. Saímos e ganhamos a rua.
Um dos lances de beber é que quando você fica parado e sentado a coisa toda piora. Piora mesmo. Saí do bingo sem nem saber meu nome direito. Liguei pra um amigo meu.
- Caralho cara – gritei – tô muito louco.
- Porra Boi! São duas da manhã.
- Sério? Foi mal.
- Beleza, vai dormir, vai.
- Saca só!
Pedi pro meu amigo me dar uma porrada.
- Caralho Boi pára com isso. – disse meu amigo no telefone.
- Eu não tô sentindo nada. – E não estava mentindo.
Me despedi e liguei pra outra pessoa. Era uma moça que eu andava ficando fazia um tempo, muito bonita e gostosa.
Ela atendeu.
Não sei muito bem o que eu disse pra ela, mas eram coisas que continham muito as palavras “eu te amo”, “casa comigo” e “você é o amor da minha vida”. Ela desligou. Não satisfeito eu mandei uma dúzia de mensagens pra ela (eu fiquei vermelho quando li as mensagens no dia seguinte). Ela nunca mais me ligou, e eu não a culpo.
Não me lembro de muita coisa depois disso. Só sei que no segundo seguinte já estávamos no Jabaquara. Foi uma das vezes em que eu pensei que não chegaria em casa e meu amigo estava achando o mesmo.
Quando estávamos quase desistindo uma luz no céu se abriu e do nada apareceu um primo do meu amigo de carro.
Estávamos salvo, mas eu custava a acreditar nisso.
- E aí, cara – disse o primo – tão indo pra casa?
- Nossa! - surpreendeu-se meu amigo – Você por aqui? Estamos salvos.
- Se liga cara – eu disse já caído no chão – esse cara quer é comer nossa bunda.
Sei lá de onde eu tirei isso, mas por alguma razão na minha cabeça naquele momento aquele era um perigo urgente.
Meu amigo me ajudou a entrar no carro e eu fiquei no banco de trás com a minha faca na mão esperando... Acho que o primo do meu amigo nunca soube o quanto perto estava de levar uma facada na julgular caso espirasse, ou fizesse qualquer movimento brusco. Por sorte, a dele, nada aconteceu e em poucos minutos eu estava em casa salvo e o mais importante: não violado.

SOBRE PAIS E FILHOS

TEXTOS SOBRE TEXTOS

Meu primeiro contato com os textos foi no primário, não me lembro bem em que série, mas foi um concurso em que a escola inteira participou. Tinha que se fazer um texto (acho que tinha algo a ver com cachorros, eu sempre gostei de cachorros) e quem ganhasse teria seu texto publicado em algum lugar. Fiz meu texto e ganhei. Depois de um tempo uma mulher foi até em casa me entrevistar e até me deu uma revista qualquer, de cachorros, claro. Mas isso não me empolgou nem um pouco para que eu continuasse com isso, também eu deveria de ter nem dez anos.
Mas eu era um cara sortudo, e pra mim isso bastava. Puta merda! Eu ganhava tudo que era coisa naquela escola, concursos que eu só colocava meu nome, sorteios, brinquedos, bolas, patins, de tudo um pouco. E tinha gente que gostava de mim, e gente que me odiava; e já naquela época eu não me achava grande coisa, deve ter sido do jeito que fui criado, sei lá, eu não sei dizer.
E essa bendita sorte me acompanha até hoje, e não é só pelo fato de eu estar vivo depois de ter feito uma porrada de merdas, mas vira e mexe eu acho alguma coisa na rua, no chão mesmo. Já achei celulares, blusas, uma vez no mesmo dia achei uma nota de cinqüenta reais e na volta achei uma corrente de ouro (eu fui descobrir que era de ouro depois) que valia uns duzentos reais. Achei cinqüenta reais no dia do meu aniversário. E fora que vira e mexe aparece algum depósito perdido na minha conta. Da sorte eu não posso reclamar. Vira e mexe eu esbarro nela, sempre sem querer. Ela me persegue.
E ganhar na mega-sena que é bom? Nada.
Lembro que ainda no primário, exatamente na quinta série (não sei agora se a quinta série é primário ou ginásio) eu e um amigo publicávamos histórias semanais. Era bem fácil a coisa, eu escrevia e ele desenhava. Era uma mistura de Street Fighter com Mamonas Assassinas, tudo uma grande bagunça, mas todos adoravam, as pessoas da nossa sala pediam por mais histórias, e nós fazíamos. Era tudo muito engraçado, tínhamos nossos poderes e nossas fraquezas, mas o melhor era que sempre acabávamos em algum bar da vida bebendo e comendo umas garotas sempre muito gostosas, e eu nem sabia direito o que era isso. Não me lembro por que paramos de escrever, mas acho que foi porque perdemos o caderno em que escrevíamos, sei lá, acho que alguém roubou. Gostaria de poder ver esse caderno de novo...
Bem, depois disso tudo no primário só me lembro de uma vez quando eu estava no terceiro colegial, ou seja, contava com dezessete anos, e a professora de português pediu para que escrevêssemos um texto referente às nossas férias. Eu falei pra ela:
- Com quem a Sra. Pensa que tá falando? Com criancinhas de dez anos? Depois de anos e anos estudando e dando aulas isso é o melhor que você pode fazer?
Procurei ajuda nos meus amigos.
Nada.
- Foda-se! Eu vou fazer essa merda.
O texto que eu apresentei era exatamente assim:

Minhas férias

Nas minhas férias eu comi, caguei e dormi.

Tirei dez nesse texto. Ela disse que eu só escrevi o que precisava escrever.
Meus dois melhores amigos escreveram textos longos e profundos sobre o assunto. Eles tiraram nove. Agora era a vez deles reclamarem com a professora. Eles ficaram revoltados, e eu lá no meu canto com a sensação de serviço bem feito. Um deles até leu meu texto em voz alta pra sala. Todos deram risadas. E quem não daria?

MERDA ACONTECE

Ontem foi um dia particularmente interessante, caguei nas calças de novo. De novo? Sim, de novo. Com essa já foram três vezes.
A primeira vez foi já há algum tempo atrás, num lugar da zona leste. Estávamos eu e meus amigos bebendo num bar qualquer quando deu uma grande vontade de cagar. Tentei o banheiro do bar, sem chance, não era limpo há uma semana pelo menos. Falam que cu não escolhe privada, o meu naquele tempo escolhia (hoje em dia não mais), pro meu azar.
Avisei todo mundo e fui tentar chegar a tempo no banheiro do shopping que se encontrava a algumas quadras dali. Fui correndo.
Começou a cair uma puta chuva para aumentar minha desgraça.
Foi interessante quando a coisa toda começou, não havia nada que eu pudesse fazer, simplesmente não deu mais pra segurar e a merda começou a sair. Era uma merda mole, meio aquosa.
Ao entrar no shopping eu tive a estranha sensação de que todo mundo estava me olhando, como se soubessem que eu estava todo cagado. Fui o mais discreto possível e consegui chegar ao banheiro.
Quando abaixei as calças constatei que minha samba-canção nunca mais seria a mesma, enrolei tudo num grande pedaço de papel higiênico e joguei a samba-canção no lixo. Nunca mais a vi de novo. Ainda bem que a samba-canção era grande e segurou toda a merda nela. Deus salve aquela samba-canção, ela morreu em serviço e serviu seu propósito.
Dei mais uma cagadinha, me limpei e saí de lá totalmente aliviado, mas aquilo era só o início.
Depois voltei ao bar e contei pra todo mundo o que tinha acontecido. Risadas, muitas risadas.
A noite chegou ao fim e era hora de voltar pra casa.
Quando chegamos ao metrô vimos que estávamos no primeiro vagão ao invés do último, então quando as portas se abriram nos preparamos para correr até o último vagão onde era nosso lugar.
As portas se abriram e corremos.
Mais ou menos na metade do caminho eu percebi que alguma coisa ali estava errada, fui parando devagar, e quando parei totalmente percebi que pela segunda vez na noite eu havia me cagado. Merda! Você se sente incrivelmente patético quando isso acontece, ainda mais quando já é a segunda vez na noite. Meus amigos me passaram e ficaram gritando pra que eu corresse atrás deles. Eu acho que quase chorei, sei lá. Dessa vez foi diferente, nem com vontade eu estava, simplesmente aconteceu, como mágica. É, só podia ter sido mágica.
Eu fiquei preocupado quando lembrei que estava sem nada por baixo das calças. Como o metrô já estava fechando não tinha ninguém mais na estação. Fui até o canto da estação e tirei meus sapatos. Eu nunca entendi muito bem para que as meias serviam, tudo o que eu sabia era que sem elas meus pés fediam muito mais quando usava tênis, mas naquela hora eu descobri o sentido maior delas, elas servem, em último caso, para limpar a bunda.
Tirei as meias, e passei na bunda. Repeti isso várias vezes, mas sempre que as tirava da minha bunda eu limpava na torneira que tinha ali do lado meio escondida. Que nojo! Não sei quanto tempo isso demorou, mas quando o próximo metrô veio eu já estava “limpo” e com as calça fechada. Deus salve aquelas meias, elas morreram em serviço e serviram seu propósito. Joguei tudo no lixo. Pelo menos minha calça estava intacta. Antes de entrar no metrô, me deu uma vontade terrível de olhar pra cima, e quando olhei tinham dois “urubus” do metrô (um homem e uma mulher) me olhando com a maior cara de nojo do mundo, eu não os culpo por isso. Dei um sorriso meio sem graça e entrei no vagão. Tenho certeza que marquei aquelas pobres almas pra sempre.
Fora isso já teve várias vezes em que eu fui obrigado a simplesmente cagar na rua. Lembro que uma vez decorei a vitrine de uma loja com meu nome escrito em merda (bem legal, não?), mas a mais interessante foi em um show num parque em que eu tive que cagar em cima de uma árvore. Estava lá eu cagando feliz e sorridente quando começou a chover e várias pessoas desafortunadas foram se abrigar embaixo da árvore onde ao invés de frutos, cocô caia de sua copa. Só que uma pessoa teve que cortar meu barato.
- Olha lá! Tem um cara cagando em cima da árvore!
Subi minha calça e saí correndo deixando pra eles o que tinha sobrado do meu almoço.
E teve o dia de ontem.
Foi na assim chamada “virada cultural”, estava eu já meio bêbado quando fui ao show do Rogério Skylab no centro cultural encontrar um amigo meu. Entrei com minha garrafa de vinho vagabundo e fiquei lá esperando que meu amigo me visse. Depois de um tempo um outro amigo meu apareceu e fomos pro lado de fora comprar mais vinho. Falamos besteiras até o show acabar e depois de encontrar os amigos babacas e nerds dele fomos embora, o meu primeiro amigo mesmo sumiu.
Passamos numa locadora que fica na Paulista alugar uns filmes. Fazia tempo que não via caras tão tapados assim, dava dó. Meu amigo ainda falou que eles eram os caras gente fina da sala dele de Áudio Visuais, e que ainda dividia o apartamento com eles, depois disso que fiquei com dó do meu amigo.
Os caras imbecis foram comer no Mc Donalds e eu e o outro cara fomos comer Yakissoba sujo da Paulista. Infelizmente depois disso quando chegamos ao apartamento do cara, os imbecis já estavam lá assistindo aos filmes que alugaram e como o a gente tinha combinado de assistir ao filme do Bukowski que só ia começar às duas da manhã, resolvemos ficar lá e assistir também enquanto esperávamos.
O filme se chamava “Team América” e foram os caras que criaram South Park que fizeram, eu não achei grande coisa.
Eu estava lá estirado no chão curtindo o efeito do álcool quando de repente ao invés de peidar, eu me borrei todo. Na verdade nem dei muita bola pra isso na hora, achei que só tivesse peidado mesmo, só quando começou a feder que eu me preocupei. Coloquei a mão na bunda e pra minha surpresa ela saiu toda melada.
- Onde fica o banheiro mesmo?
- Primeira porta à esquerda.
Baixei as calças e olhei pra cueca. Era a minha melhor cueca. Era. Tava toda marrom agora. Fiz o já conhecido procedimento, enrolei tudo em muito papel higiênico e joguei no lixo.
Diferente do que já havia me acontecido das outras vezes vazou muita coisa pra minha calça. Merda! Minha calça cinza estava agora com um toque de marrom. Tirei as calças, dei uma lavada meio que por cima, passei um monte de xampu na bunda pra tirar o cheiro de esgoto e saí de lá como se nada tivesse acontecido.
- Só não entrem no banheiro agora. – aconselhei.
Como o vinho fez seu efeito, perdemos o pique de ir assistir o filme do Bukowski e achei melhor ir embora.
Peguei o metrô completamente vazio e fiquei limpando minha bunda em todos os assentos possíveis antes de descer.
Mesmo me sentindo terrivelmente miserável, achei que seria bom comer uma puta para levantar meu já fatigado ânimo.
Tomei uma pinga, fui dar mais uma cagada no pão de açúcar (o banheiro de lá é horrível, mas como eu já disse, meu cu não escolhe mais banheiro) e aproveitei pra roubar uma coca-cola.
Existem alguns puteiros na região, mas são três que mais freqüentamos. Um estava quase fechando e as putas estavam mais desanimadas do que eu, o outro tinha umas quinze pessoas pra cada puta, só sobrou um, então fui lá.
- Seguinte – começou o segurança logo quando cheguei – a casa já tá fechando.
- Mas dá tempo de dar uma ainda? – perguntei.
- Tem que ser rápido. Já entra, escolhe a mina e sobe.
- Sem problemas, cara.
Eu tava tão feliz que achei que o céu estivesse se abrindo. Até sorri.
- Só tem uma coisa – disse o segurança – não estamos passando cartão hoje. Acho que o gerente esqueceu de pagar o aluguel da máquina.
Eu não tinha dinheiro, só cartão.
- Mas não tem outro jeito?
- Não tem não. Já vou avisando aqui na entrada pra não ter problemas.
- Tá bom cara, valeu...
Me senti como se tivesse cagado nas calças de novo. Não se pode simplesmente vencer todas. E nesse dia eu não ganhei nenhuma.